Papo de Varzea

Presidente comanda time de várzea por mais de 50 anos

UOL Esporte

Quando Ricardo Teixeira deixou a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) você achou que ele já estava há tempo demais no comando? Pois saiba que os 23 anos do cartola são fichinha perto do que seu Américo, do XI Garotos do Piqueri, tem para mostrar. Ele ocupou, oficialmente, o cargo por 53 anos.

Já com a mobilidade prejudicada, andando com muletas, ele vai diariamente à sede do clube, na Marginal do Tietê. Não é mais presidente de fato, mas ainda é o responsável pela maior parte das decisões do clube – que completou, há alguns dias, seu 56º aniversário.

Veja algumas das histórias:

Tomada de poder

O XI Garotos nasceu em 57, nas ruas do Piqueri. Era um grupo de amigos que resolveu montar um time. História comum, uma entre centenas na várzea de São Paulo. A história começou a mudar em 1960. Três anos depois da fundação, seu Américo chegou ao clube. Logo, assumiu a diretoria social. E veio a tomada do poder:

“Era hora de fazer eleição. As diretorias estavam estabelecidas. E alguns amigos me ligaram para montar uma chapa de oposição, para derrubar os antigos. Eu até tentei dizer que não entendia nada de política, mas me convenceram. Já são mais de 50 anos”.

A ideia, porém, era ficar pouco tempo. “O antigo presidente aproveitou que tinha saído para marcar casamento. A cerimônia foi em Águas de Lindóia. Quando ele voltou, a gente estava com tudo. Não deixamos ele voltar”, lembra.

O campo da marginal

Um dos orgulhos do clube é o campo, na Marginal do Tietê, que hoje conta com vestiários, bar, alambrado, cobertura… A estrutura tem pouco mais de três anos. Mas ainda é inferior à de 16 anos atrás. Na época, o campo do XI Garotos ocupava um terreno onde hoje estão prédios do Cingapura, o programa de moradias populares que marcou a gestão Maluf na prefeitura.

“Nosso campo era muito bonito, bem estruturado, mas a prefeitura exigiu o terreno. Mas cedeu esse outro. Era menor, mas prometeram montar a mesma estrutura. Só que ficou na promessa”, diz o veterano.

Por dez anos, o time contava apenas com o campo – que, aliás, era pequeno, mas foi aumentando com o tempo: “A gente derrubava o muro e pegava uns metrinhos a mais, até chegar ao tamanho de hoje”. Os vestiários eram contêineres, cedidos pela prefeitura. “Mas você imagina. Contêiner, de ferro, enferruja. No final, já tinha gente tomando banho sem assoalho”.

A reforma foi feita em 2010, após uma verdadeira batalha jurídica. “Há cinco anos, a Secretaria Municipal de Esportes apresentou um projeto. Iriam investir R% 140 mil na construção dos vestiários, dos banheiros, na reforma dos alambrados. Mas a regional de Pirituba entrou no meio. O projeto estava pronto, mas a regional bateu o pé. Disse que ninguém iria fazer nada. Uma hora depois, chegou a polícia com uma ordem de despejo”.

A solução foi dada por um vereador da região. Ele conseguiu oficializar o local como campo de rodízio e a reforma foi aprovada.

A cobertura de ferro velho

A única coisa que estava faltando era uma cobertura para a área externa do bar e dos vestiários. E a saída veio do ferro-velho.

“Seu Américo veio falar comigo: ‘Ari, precisamos cobrir. Você acha que dá para fazer?’ Eu tenho 30 anos de XI Garotos. Falei que sim. E fomos atrás do material. Tudo veio do ferro-velho. Todo sábado eu aparecia e fazia uma parte do trabalho”, conta Ariovaldo Esgay.

Foram 12 sábados cortando o ferro para a estrutura. Mais três para colocar as telhas. Sempre ao lado de Serjão Rodrigues. O próximo passo é cobrir uma segunda área, onde será construída a churrasqueira. “São poucos os clubes de várzea que tem essa estrutura. É um orgulho dar essa moral para quem jogar”, comemora Serjão.