Papo de Varzea

Sucesso de Damião força várzea a se movimentar para aproveitar dinheiro de formação

UOL Esporte

Você sabia que os clubes de futebol de várzea estão deixando de ganhar muito dinheiro com os jogadores que revelam? Pelas regras da Fifa, os clubes que participaram na formação dos jogadores entre 12 e 23 anos têm direito a 5% das transações internacionais. Para aproveitar essa regra, porém, é necessário que o clube comprove sua ligação com o jogador. E é este ponto que está fazendo com que os clubes amadores comecem a se mexer para ter acesso a esse dinheiro.

O caso Damião

O caso de Leandro Damião é o grande catalisador desse processo. Desde que chegou à seleção brasileira, o atacante virou alvo de clubes europeus. Nas últimas semanas, o valor de uma possível transferência chegou ao patamar de R$ 66,3 milhões. O último rumor, por exemplo, dava conta de que o Nápoli ofereceria 22 milhões de euros pelo atacante. A oferta não foi concretizada, mas os valores chamaram atenção: R$ 1,6 milhão desse total ficaria no limbo caso o jogador fosse, realmente, vendido.

O número corresponde a 2,5% do total da transferência, destinado aos clubes formadores que trabalharam com Damião dos 12 aos 18 anos. O problema é que, nesse período, Damião não teve vínculos com clubes profissionais. O atacante participava de escolinhas de futebol do Jardim Ângela e defendia clubes de várzea até receber uma chance no futebol profissional de Santa Catarina – de onde ele foi para o Internacional.

“Para fazer uso do mecanismo, você tem que provar a inscrição em uma equipe filiada à federação local. Normalmente, você usa uma certidão da Federação Paulista, mas também são aceitos outros meios de prova. Para o período em que o atleta não tem registro, o valor vai para a CBF aplicar na formação de atletas”, explica o advogado especialista em direito esportivo Fernando Ezabella.

Em outras palavras, caso os clubes que trabalharam com Damião não consigam provar o vínculo, os quase R$ 1,5 milhão acabariam no boldo da CBF. E a chave para o processo é o passaporte esportivo do jogador. O documento é emitido pela CBF e serve como guia para o clube comprador saber para quem pagar os valores do mecanismo de solidariedade.

“Os clubes que constam nesse documento vão receber o dinheiro. O problema é que, para ser reconhecido, é preciso ter o vínculo com a federação. No sul, por exemplo, é só ter o número de registro. O caso do Fernando, volante do Grêmio que foi vendido recentemente para o futebol europeu, é exemplar. Uma escolinha do interior do estado, que tem esse registro com a federação, está no passaporte, mesmo sem disputar competições oficiais”, explica o também advogado Pedro Alfonsim, que trabalha com casos semelhantes no Rio Grande do Sul.

ALGUNS CASOS DO MECANISMO DE SOLIDARIEDADE

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Exemplos em São Paulo

Na várzea, um clube já está avançado nesse processo. O Benfica, da Vila Maria, trabalhou com o zagueiro David Braz dos 12 aos 15 anos. O clube, inclusive, foi o responsável por levar o atleta para o Palmeiras, onde ele se profissionalizou. De lá, o atleta foi para a Grécia e voltou para o Brasil, para jogar no Flamengo. A primeira transferência foi litigiosa e o Palmeiras ainda luta, na Fifa, para receber. A segunda, no entanto, foi normal. “Nós fizemos o cálculo e temos o direito de receber 1,5% da transferência. Contratamos um advogado e estamos aguardando”, fala Américo Marques, diretor do Benfica.

O processo ainda está em litígio justamente pela ligação do clube com a Federação Paulista. David jogou pelo clube em campeonatos da Associação Paulista de Futebol. Segundo Américo, esse torneio seria reconhecido pela Federação Paulista.

Em outro caso, no entanto, o torneio foi ignorado. Na transferência de Lucas do São Paulo para o PSG, da França, o Corinthians tentou comprovar sua ligação com o atleta entre 12 e 14 anos com a inscrição em torneios da entidade. Mas não obteve sucesso.

Clubes interessados já procuram assessoria

Atualmente, dois clubes procurados pela reportagem admitiram que já estão buscando assessoria jurídica para não perder o dinheiro a que teriam direito. O Estrela da Saúde, do Jardim Aracati, por exemplo, é parte interessada na transferência de Leandro Damião.

O clube, tradicional em São Paulo e com 96 anos de história, já foi profissional, nos anos 50. Hoje, mantém escolinhas de futebol na região da represa de Guarapiranga e tem parceria com o São Paulo, para onde manda atletas que se destacam. “O Damião participou de nossas escolinhas. Chegamos a levá-lo para peneiras, mas ele não foi aproveitado. Ele, inclusive, chegou a jogar a Copa Kaiser com a gente”, lembra o vice-presidente do clube, Renato Correntino.

Já o Vasco, da Vila Galvão, está de olho no sucesso do meio-campista Paulinho, que fez parte das escolinhas do clube dos 9 aos 18 anos. O jogador surgiu no clube, foi para o Flamengo, de Guarulhos, e para o XV de Piracicaba. Atualmente, está emprestado no Flamengo. “Já estamos procurando advogados para buscar isso. Estamos torcendo pelo sucesso do Paulinho por ele. Mas se tudo der certo, também temos direito”, diz Genival Elias de Araújo, o Val, vice-presidente e técnico do Vasco.

A transferência de Paulinho, porém, seria nacional, e sujeita a regras diferentes. “No mecanismo da CBF, os clubes precisam comprovar que são formadores. Ter um registro de formador. É uma regra mais rígida que a da Fifa. Basicamente, a regra da CBF é excludente. A Fifa é mais abrangente”, explica Afonsim.