Papo de Varzea

Futebol profissional é samba. Mas futebol de rua pode ser hip hop

Papo de Várzea

9

Nunca achei que hip hop combinasse com futebol. Sempre que eu via alguém tentando a aproximação, achava que era forçar a barra. Isso mudou no último sábado. Fui a um evento no Memorial da América Latina chamado Batalha das Quadras.

Era um evento de futebol de rua, patrocinado pela Nike, com tudo que um campeonato bancado por grandes marcas tem: garotada de tênis (ou chuteira) novinho, infraestrutura de primeira, aquele ar street style, com grafite nos estandes e hip hop nos alto falantes. “Estão empurrando de novo o hip hop para o futebol”, pensei.

Mas existe uma ligação, que eu só percebi quando terminou o futebol e começou uma batalha de MCs. Nunca tinha acompanhado algo assim ao vivo. E me surpreendi. Provocações, tiradas engraçadas, piadas com o rival. Divertimento com ritmo – quem vai, não consegue evitar balançar a cabeça ao ritmo dos Yo, Yo, Yo…

Divulgação Todo menino de quebrada já sonhou em ser jogador de futebol, e dali saem grandes atletas. É importante que a molecada se junte ali na rua pra jogar, se ocupar do futebol, corra atrás do seu sonho Emicida, Falando da importância do futebol para a vida da periferia

Esse ar de provocação, de deboche, era o mesmo que eu tinha visto, alguns momentos antes, na quadra. E o campeonato era futebol em sua essência. Times de quatro jogadores, dois gols ou cinco minutos e aqueles golzinhos de criança. O que chamou atenção, porém, era a irreverência. Todos os jogos tinham pelo menos uma caneta. Um toque de letra. Aquele gol de calcanhar, em que o cara com a bola para, fica de costas para o gol e faz o toque só para tirar sarro do rival.

Foi ai que eu percebi: no Brasil, futebol profissional é samba. Mas o futebol de rua, aquele dos amigos, para se divertir, pode, sim, ser hip hop! É uma simples mudança do jeito que você encara a música e o esporte. Em um, você junta esforços para conseguir o melhor resultado. No outro, a diversão é mostrar que você é melhor do que o amigo (para, depois, tirar sarro…).

Quando conversei com os MCs do evento, percebi que essa impressão não era só minha. “É mais ou menos isso. Hoje, no Brasil, hip hop e futebol estão distantes, mas todos nós temos nosso time do coração, jogamos bola na rua”, fala Guilherme 13, vice-campeão das batalhas do dia.


“Quem não gosta de futebol? Em eventos como esse, nós vamos nos aproximando cada vez mais desse público. No fim das contas, todo mundo é da quebrada, todo mundo cresce junto, todo mundo se respeita. O futebol é samba, mas também pode ser hip hop”, completa LBrown.

O caminho para isso está sendo trilhado. Emicida, que acaba de gravar uma música sobre Neymar (ao lado do funkeiro ostentação MC Guimê), fez o grande show do sábado. A maioria dos jogadores que disputaram a Batalha das Quadras já tinha ido embora. Mas os que ficaram pareciam se divertir. Acho que estavam pensando como eu. Hip hop é legal. E tem tudo a ver com futebol.

Por Bruno Doro