Papo de Varzea

Categoria : Jogador infiltrado

Jogador infiltrado: reza pré-jogo evoluiu e é muito mais do que pai-nosso
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Dizem que, se fé ganhasse jogo, o campeonato baiano acabaria empatado. A verdade é que, acreditando ou não, jogador de futebol segue a linha do religiosamente correto. Cada um tem a sua religião e a sua maneira de se comunicar com Deus. Há alguns anos, tudo acabava em um pai-nosso, com as mãos voltadas para o céu. Mas isso está mudando.

Quando comecei, o técnico puxava o pai-nosso, o massagista a ave-maria e todos partiam confiantes para a partida. Hoje, a variação é muito maior. A religiosidade dos jogadores mudou e você encontra evangélicos, luteranos, católicos e tudo mais. E cada um reza de um jeito. Um puxa a oração. Outro levanta os braços e fica em silêncio. O que está lá atrás faz uma prece pessoal, pedindo proteção.

Até quem não é exatamente religioso se rende. Conheci muitos que nunca pisaram em uma igreja ou compareceram a cultos, mas antes de entrar em campo, eram os primeiros a puxar a fila dos pedidos a Deus.  Um atacante do meu time segue essa linha. Provocador e catimbeiro, é sempre o motivo das brigas em campo. Com canela fina, cabelo arrepiado e sem papas nas língua, ele “causa” em todo jogo. Eu sempre aviso: “Dá uma segurada, meu irmão. Assim, nem Deus aguenta”. Do jeito que é, deveria estar na igreja todos os dias. Já escapou de cada uma que até Deus duvida…

Quem também tem uma história legal em sua relação com Deus é meu zagueiro. Antes de todos os jogos, ele pede desculpas a Deus pelo que pode acontecer. Arrepia os adversários, levanta os atacantes e assusta a torcida rival. Quando o juiz apita, pede desculpas novamente. Algumas vezes, o pedido de perdão vem no meio das partidas. É o famoso “morde e assopra”. Ter um zagueiro de Deus é assim mesmo. Dentro de campo, do pescoço para baixo é canela!

A verdade é que o futebol é um meio em que a religiosidade exerce uma função importante. Acreditar em Deus dá força, causa uma sensação de confiança para os jogadores entrarem em campo na temperatura certa para o duelo. Isso transforma o vestiário em um local sagrado: todas as crenças são aceitas, sem preconceito.

Quando o UOL Esporte mergulhou no futebol de várzea, viu que as pessoas eram atenciosas, mas evitavam alguns assuntos. Quanto os jogadores ganham? Como é a relação jogador/treinador? Torcida tem poder? Para responder a tudo isso, o Papo de Várzea encontrou um espião. Ele é um veterano do futebol amador que aceitou contar  os segredos do futebol amador. A cada mês, um tema novo!

Veja o que já foi publicado:

Vestiário de futebol virou salão de beleza

Superstições: tem craque que coloca grama na cueca para dar sorte

Varzeano também aproveita a sobra das marias-chuteiras do profissional

Várzea e apelidos. Não tem essa de politicamente correto

Torcida faz festa, mas pode expulsar jogador antes de chegar ao vestiário

 


Jogador infiltrado: vestiário de futebol virou salão de beleza
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Jogador de futebol é vaidoso. É só você olhar para as fotos dos profissionais. Brincão, cabelo espetado com gel, luzes, camisetas coladas, decote V… Na várzea é igualzinho. Entrada de vestiário é quase um desfile de moda. O desavisado olha e acha que uma galera de funk (ou hip-hop dos EUA) está entrando para dar uma força.

E quando o jogo começa, então? Vocês já perceberam que não tem mais chuteira preta em campo? É um desfile de carnaval. O uniforme do time é vermelho e preto e você vê goleiro com o pé azul, atacante de verde-limão e volante de rosa. Os Matusaléns dos times não gostam. Torcem o nariz para chuteira extravagante, para penteado diferente. Se o cara tingir o cabelo, então, sai da frente…

Sabe o que é pior? Essa garotada vira influência e todo mundo entra na onda. Quando você menos espera, tem gente falando de gel, pasta fixadora e dando dica de como deixar a cabeleira no formato desejado. Afinal de contas, não é fácil jogar com o moicano para cima por uma hora e meia, no sol.

Todo vestiário tem um desses entendidos. Um jogador que sabe tudo de cosméticos e sabe que o produto X é melhor porque fixa o cabelo por mais tempo e que creme X não maltrata tanto o couro cabeludo. É como entrar em um salão de beleza.

Sem contar, é claro, cenas ainda mais constrangedoras. Há alguns anos, jamais imaginaria ver meus dois zagueiros passando creme nas pernas. Hoje, eles não só se lambuzam depois do jogo, como até mesmo depilam o peito. Todo mundo olha para os Cristianos Ronaldos e Neymares da vida e adotam esse jeito metrossexual de ser.

E sabe quem gosta? A patroa! Afinal, que mulher não gosta de ver o negão chegando em casa lisinho?


Jogador infiltrado – Superstições: tem craque que coloca grama na cueca para dar sorte
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Preste atenção quando os jogadores entram em campo. Em qualquer partida. Alguns deles se abaixam, tocam o chão e fazem o sinal da cruz. Outros pulam com uma perna só para garantir que estão entrando em campo com a perna direita. Superstição demais? Que nada… Já vi coisas realmente estranhas nos campos desse Brasil.

Se você olhar bem para o pé dos jogadores, verá que chuteira nova, mas nova mesmo, é quase uma exclusividade dos novatos do time. Sabe o motivo? É uma tradição no futebol: quando o veterano chega com chuteira nova, dá para o moleque amaciar. Ele usa três, quatro vezes e devolve. Não chega a ser uma superstição pesada, mas é batata: o garoto fica com a bolha, o tiozão, com a chuteira macia

E quando você entra no vestiário, então? Existe todo um código de conduta. Na várzea, o lugar em que você se troca é acanhadinho, mas a ordem em que você coloca a mochila é sempre a mesma, tentando sempre se trocar ao lado dos mesmos parceiros. Se você vai de ônibus (e olha que tem muito time que freta um busão nos jogos mais importantes, para garantir que todo mundo chegue ao campo no clima), os lugares são marcados. Coitado do truta que senta no lugar errado… É obrigado a levantar rapidinho, levando tapa de tudo quanto é lado.

Outra coisa comum é usar uma peça de roupa igual em todos os jogos. Tem gente que usa a mesma meia até furar. O pior é quando a superstição está na cueca. Varzeano que é varzeano, joga sexta, sábado e domingo. No mínimo. Imagina a situação da cueca quando termina a última partida?

Tinha até cara que comia grama e terra. O motivo? “Foi o que o professor mandou fazer”. Menos folclórico, mas tão chocante quanto, era o ritual de um zagueiro que jogou comigo há alguns anos. Um dia antes de jogo importante, ele comia tijolo. Isso mesmo: tijolo! Ele quebrava um bloco daqueles vermelhões e mandava ver. Não sei se ele colocava na comida, estilo queijo ralado, ou comia com água, como se fosse groselha. Mas dizia que ajudava a se manter firme em campo. E, com sinceridade, era um dos melhores zagueiros com quem já joguei! Se a moda pega, hein…

Outra história eu vi quando ainda era moleque e estava nas divisões de base de um time grande. O cara entrava no campo antes dos jogos, pegava um pouco de grama e jogava dentro dos dois meiões e da cueca. Falava que dava sorte. Esse tinha um dos chutes mais fortes que já vi na vida. Ninguém nunca mediu, mas era a nossa versão do Roberto Carlos. O problema era o efeito da grama na cueca. Ele conseguia jogar bem por uns 20 minutos. Depois, ficava se caçando. Quando o juiz apitava, vinha reclamar que sempre acabava assado!  Mas jogava muito!

Quando o UOL Esporte mergulhou no futebol de várzea, viu que as pessoas eram atenciosas, mas evitavam alguns assuntos. Quanto os jogadores ganham? Como é a relação jogador/treinador? Torcida tem poder? Para responder a tudo isso, o Papo de Várzea encontrou um espião. Ele é um veterano do futebol amador que aceitou contar  os segredos do futebol amador. A cada mês, um tema novo!

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Varzeano também aproveita a sobra das marias-chuteiras do profissional

Várzea e apelidos. Não tem essa de politicamente correto

Torcida faz festa, mas pode expulsar jogador antes de chegar ao vestiário

 


Jogador infiltrado: varzeano também aproveita a sobra das marias-chuteiras do profissional
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Varzeanos do Brasil e do mundo: desde que o mundo é mundo eu ouço muita gente, dentro e fora de campo, falar que sexo antes do jogo é proibido. “O jogador se cansa”, “pode causar alguma lesão” e outras desculpas do gênero. Mas, falando a verdade: nem no profissional, muito menos na várzea!

Vai explicar pro meu zagueiro que não pode chegar na preta um dia antes do jogo pra ver o que acontece… E, na boa, isso não existe. Muitos defendem que dá até uma relaxada. O cara joga mais solto. O pessoal chega até a marcar festinha na noite anterior e vai direto para o jogo. Todo mundo na maior animação.

Isso faz parte do futebol. Você acha que o cara vai deixar de ir a um churrasco, ir a uma festa, curtir a noite porque tem que se preservar pro futebol? Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Muitos times nem mesmo treinam durante a semana. O pessoal trabalha a semana toda para aproveitar o final de semana. Tirar aquele lazer com os amigos ou com família seria um crime. Às vezes, rolam algumas festas privadas, daquelas que patroa nenhuma fica sabendo. São essas que garantem a melhor resenha no vestiário, a tiração de sarro e muitos dos apelidos da ultima coluna.

Não dá para esquecer, também, que alguns abusam. Aí, realmente, fica complicado. Mas, responda a uma pergunta simples: sair no meio da balada vale? Não dá, né… E tem outra: quem é da várzea com certeza já jogou com jogador profissional – nem que seja nas categorias de base. E quem não jogou conhece uma estrelinha ou outra. Assim, fica fácil entrar na bota dos caras. E, muitas vezes, você até fica com alguma sobra dos irmãos. O que rola de maria-chuteira atrás não é mole. É só dizer que você é jogador também para ganhar fácil.

Uma vez, saí com um brother que estava jogando em um time de ponta do Brasil. Éramos uns oito caras e entramos na faixa, na cola dele. Bebemos de graça. E todo mundo perguntava: “Quem é você? Joga aonde?”. Você percebia as meninas crescendo o olho com quem falava que era jogador de futebol. Claro que elas não faziam ideia de quem era realmente o jogador famoso. Então, todo mundo saiu ganhando da noitada. Entramos, bebemos e marcamos… Sem contar a resenha da conquista no fim da madrugada. Afinal, “ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão”.

 

Quando o UOL Esporte mergulhou no futebol de várzea, viu que as pessoas eram atenciosas, mas evitavam alguns assuntos. Quanto os jogadores ganham? Como é a relação jogador/treinador? Torcida tem poder? Para responder a tudo isso, o Papo de Várzea encontrou um espião. Ele é um veterano do futebol amador que aceitou contar  os segredos do futebol amador. A cada mês, um tema novo!

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Na várzea, salário vem em envelope. E você não pode abrir no vestiário

Torcida faz festa, mas pode expulsar jogador antes de chegar ao vestiário

Várzea e apelidos. Não tem essa de politicamente correto


Jogador infiltrado: Várzea e apelidos. Não tem essa de politicamente correto
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Hoje em dia está cada vez mais complicado catimbar, brincar e provocar no futebol profissional. Quando era garoto, vi muito jogador usando esses artifícios para tirar o rival de campo. Muitas vezes dava até em um quebra-pau gigantesco. Com as câmeras de TV cada vez mais próximas (e captando os mínimos detalhes), o futebol profissional está cada vez mais cheio de regras e moralismo. Muito chato!

Na várzea a história é outra. Não tem essa de câmera ou juiz olhando. Nas quatros linhas vale quase tudo pra ganhar. Já ouvi muita gente dizendo que na várzea os fracos não tem vez. E é isso mesmo. Provocações são normais. Os caras xingam a mãe, passam a mão, cospem na cara. É a estratégia dos menos privilegiados tecnicamente. Não estou defendendo, mas os juízes dizem que, se não for explicito, segue o jogo!

Outra coisa que é muito comum na várzea são os apelidos, que contam muito sobre o cara. Eu ouço sempre alguns inusitados e racho o bico. Já vi jogador chamado de Munrá, Lacraia, Pica-Pau, Paletó, Funeral, Dentadura, Galo Cego, Xixela, Dadinho, Cobrinha, Pé Mole, Da Lua, Rutinha, Yakult, Pardal, Bate-Estaca…

O melhor são as explicações, que nem sempre são as mais óbvias. O Dentadura pode ser um cara que realmente usa dentadura – acredite, na várzea é bem comum achar um desses. Mas também pode ser aquele dentuço ou o “negão” que está sempre rindo, mostrando os dentes. O Dadinho não é quem gosta do doce, mas o jogador que se parece com o personagem de Cidade de Deus (“Dadinho o C… O meu nome é Zé Pequeno”).

Os Yakults são sempre os mais branquelos do time (OK, o vício nos lactobacilos vivos também são uma causa para o apelido). O Munrá tem bafo. Afinal, ele é a múmia dos Thunderkats. E o Funeral? Sabe aquele cara triste, que tá sempre colocando todo mundo para baixo? É ele. O Da Lua e o Rutinha vem das novelas. Em Mulheres de Areia, o personagem Tonho da Lua sempre dizia que “Rutinha é a boa, a Raquel é má”. Virou sinônimo para quem é meio lento das ideias – ou se parece com o ator Marcos Frota.

Outros são mais ofensivos. O Pica-Pau é narigudo. O Pé-Mole não ganha uma dividida. O Cobrinha tem a ver com a comparação dos “equipamentos” durante o banho. E Lacraia, além da semelhança com a dançarina de funk, tem a ver com um assunto que é tabu no futebol: a homossexualidade.

Muita gente pergunta se existe homossexual na várzea. Existe, sim. Mas é raro isso ficar aberto ao time ou aos torcedores. Não conheço nenhum, mas percebo vários. Dá para perceber no jeito de falar e até no domínio de bola. Daí já viu, né? A provocação triplica. E é ampliada pela torcida. Mas esse assunto é para outra coluna. Dá muito pano pra manga!

A verdade é que tudo depende da qualidade do jogador. Se o cara for bom, não tem torcida ou pressão que segure. Bola na rede é o melhor remédio para provocação e artimanhas. E os jogos ainda podem render boas risadas com nomes, no mínimo, pitorescos!

 


Quando o UOL Esporte mergulhou no futebol de várzea, viu que as pessoas eram atenciosas, mas evitavam alguns assuntos. Quanto os jogadores ganham? Como é a relação jogador/treinador? Torcida tem poder? Para responder a tudo isso, o Papo de Várzea encontrou um espião. Ele é um veterano do futebol amador que aceitou contar  os segredos do futebol amador. A cada mês, um tema novo!

Jogador Infiltrado: torcida faz festa, mas pode expulsar jogador antes de chegar ao vestiário
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Torcida faz festa, mas pode expulsar jogador antes de chegar ao vestiário

Futebol de várzea é parecido com futebol profissional também entre os torcedores. Eles vivem a realidade dos clubes. Algumas torcidas têm mais de 20 mil pessoas cadastradas. O torcedor bota jogador que não está bem para correr, faz concentração antes da partida e participa até da preleção.

Muita gente acha que é mentira, mas a pressão em alguns clubes de várzea pode, sim, ser comparada com a de grandes times do futebol profissional. Os atletas são mais do que jogadores. São os representantes e defensores do bairro, da comunidade. São guerreiros da quebrada lutando contra a outra. Quando ganha, está tudo lindo. Se pipocar, o bicho pega.

Torcedor não está nem ai se o jogador está machucado ou tem algum problema físico. Tem que entrar e representar. Dar a vida pela comunidade. É muito comum jogador amarelar em alguns jogos. E a torcida não alivia. Vira faixas de cabeça para baixo, monta cartazes de protesto. Chegam até a partir “pro pau” contra alguns. Já vi o nome do cara com uma caveira em uma faixa. Acredite, é uma ameaça séria…

A pressão é grande, mas o apoio também. Independentemente da função no clube, quando o juiz apita o início, todos se dividem em dois grupos. Torcedores e Jogadores. Diretor vira torcedor-surtado. Puxa os gritos. Dá palestra no vestiário e depois vai para a arquibancada fazer festa. É uma família. E, como em toda família, brigas podem acontecer.

Isso acontece quando alguém está dando migué ou pipocando. Ninguém admite isso: ou você representa ou está queimado. Um caso mostra bem isso: um jogador, que veio de fora da comunidade, não aguentou a pressão e, quando acabou o jogo, não passou pelo vestiário com medo de tomar porrada.

Mas nem tudo é ameaça. A torcida faz um espetáculo lindo, bem organizado, com faixas, cantos, chuva de papel picado. Às vezes, parece até jogo de Libertadores. Até autografo eu já dei! Quem está envolvido vive de corpo e alma o futebol de várzea. Na maioria das vezes, tiram dinheiro do próprio bolso para bancar festas e “resenhas” . Às vezes, cobram os atletas, mas a malandragem come solta. Por isso, dar a vida nos jogos é questão de honra. Quem sabe lidar com isso vira herói. Mas quem não segue essa linha, corre no asfalto de chuteira!

 


Quando o UOL Esporte mergulhou no futebol de várzea, viu que as pessoas eram atenciosas, mas evitavam alguns assuntos. Quanto os jogadores ganham? Como é a relação jogador/treinador? Torcida tem poder? Para responder a tudo isso, o Papo de Várzea encontrou um espião. Ele é um veterano do futebol amador que aceitou contar  os segredos do futebol amador. A cada mês, um tema novo!

Jogador infiltrado: Na várzea, salário vem em envelope. E você não pode abrir no vestiário
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Quando o UOL Esporte mergulhou no universo do futebol de várzea, percebeu uma coisa: as pessoas eram atenciosas, falavam com prazer com a reportagem, mas sempre evitavam alguns assuntos. Quanto, de verdade, os jogadores ganham? Como é a relação entre os jogadores e os treinadores? As torcidas têm poder?

Para responder a essas, e outras, perguntas, o Papo de Várzea encontrou um espião. Ele é um veterano do futebol amador que aceitou contar  aquilo que a pessoas tentam esconder. A cada mês, um tema novo!

Na várzea, salário vem em envelope. E você não pode abrir no vestiário

No futebol de várzea, salário vem em um envelope lacrado, com o seu nome e uma instrução: “Não abra no vestiário!” Tem gente que não sabe, mas a maioria dos jogadores de várzea recebe algum para entrar em campo. O valor depende do nível. Começa com R$ 10,00, só para ajudar no combustível. Pode chegar até a R$ 300,00 por jogo. Termina a partida, você toma seu banho e o cara envelope já está lá com o seu. E ninguém abre. Alguns recebem mais, outros menos. Alguns nem dinheiro recebem. E é um problema: já ouvi muita gente falando “você que recebe, vai lá e resolve”. Acontece.

Mas o dinheiro de verdade está na assinatura. É assim que a gente chama quando troca de time. É como a luva do futebol. Os times pagam um bônus para você disputar a competição por eles. Os mais visados levam entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. Os que arrebentaram no campeonato podem ganhar até R$ 10 mil.

Funciona assim: o jogador acabou de fazer uma Copa boa, foi artilheiro do time ou decidiu um clássico (e se o jogo for na Arena Kaiser, melhor ainda: todo mundo aparece nessas ocasiões). Pode apostar. Vai receber uma bolada no ano seguinte. E como acontece essa negociação?

Nas equipes menores, o dirigente vai até o vestiário no fim da partida e já fala em proposta. Quando você entra no radar dos mais fortes, a coisa é diferente. Conseguem o número do seu telefone e te chamam para tomar uma cerveja. E nessa cervejinha que vem a proposta.

Essa história é tão comum que nós, jogadores, fazemos até apostas para ver quem vai ser mais assediado. O mundo da várzea, nesse nível mais alto, não é tão grande. Jogador não tem um só time, mas dois ou três. Os grandes nomes acabam jogando juntos uma hora ou outra. Se não é na Copa Kaiser, é no Amador de Diadema, nos torneios do ABC, em Mauá. Nós temos até um churrasco de fim ano marcado: quem recebe menos ligações paga a conta. Não vou falar quem perdeu, mas no ano passado, o cara que ganhou recebeu 12 ligações. E mudou de time.

Mas você tem de tomar cuidado para não acreditar em tudo o que as pessoas falam. Na várzea, tem muito “garganta”. Gente que fala que está recebendo uma coisa, mas é só metade daquilo. Ele só está vendendo o peixe dele, aumentando o passe. Fala que está ganhando um valor para, no ano seguinte, trocar de time e receber aquilo que “garganteou”.

E tem time que faz isso também e dá um passo maior do que a perna: promete coisa que não pode dar. Por isso, hoje eu só aceito ir para time que tem alguém que eu já conheço. Não dá para atravessar a cidade e não saber se o que foi combinado vai ser cumprido. Várzea é na palavra. Não tem contrato. Vai reclamar com quem?

Eu já fiquei cinco meses sem receber. E olha que eu vivia da várzea. Não tinha emprego. Mas o time era da quebrada em que eu nasci. Nós fizemos uma reunião e dissemos: “Vamos fechar e dar o melhor que temos”. No final, ficamos entre os dez melhores. A grana ficou para trás. Mas valeu a pena.

* O jogador infiltrado é um veterano da várzea. A cada coluna, ele revela as verdades do terrão que as pessoas tentam esconder


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