Jogador infiltrado: Várzea e apelidos. Não tem essa de politicamente correto
UOL Esporte
Hoje em dia está cada vez mais complicado catimbar, brincar e provocar no futebol profissional. Quando era garoto, vi muito jogador usando esses artifícios para tirar o rival de campo. Muitas vezes dava até em um quebra-pau gigantesco. Com as câmeras de TV cada vez mais próximas (e captando os mínimos detalhes), o futebol profissional está cada vez mais cheio de regras e moralismo. Muito chato!
Na várzea a história é outra. Não tem essa de câmera ou juiz olhando. Nas quatros linhas vale quase tudo pra ganhar. Já ouvi muita gente dizendo que na várzea os fracos não tem vez. E é isso mesmo. Provocações são normais. Os caras xingam a mãe, passam a mão, cospem na cara. É a estratégia dos menos privilegiados tecnicamente. Não estou defendendo, mas os juízes dizem que, se não for explicito, segue o jogo!
Outra coisa que é muito comum na várzea são os apelidos, que contam muito sobre o cara. Eu ouço sempre alguns inusitados e racho o bico. Já vi jogador chamado de Munrá, Lacraia, Pica-Pau, Paletó, Funeral, Dentadura, Galo Cego, Xixela, Dadinho, Cobrinha, Pé Mole, Da Lua, Rutinha, Yakult, Pardal, Bate-Estaca…
O melhor são as explicações, que nem sempre são as mais óbvias. O Dentadura pode ser um cara que realmente usa dentadura – acredite, na várzea é bem comum achar um desses. Mas também pode ser aquele dentuço ou o “negão” que está sempre rindo, mostrando os dentes. O Dadinho não é quem gosta do doce, mas o jogador que se parece com o personagem de Cidade de Deus (“Dadinho o C… O meu nome é Zé Pequeno”).
Os Yakults são sempre os mais branquelos do time (OK, o vício nos lactobacilos vivos também são uma causa para o apelido). O Munrá tem bafo. Afinal, ele é a múmia dos Thunderkats. E o Funeral? Sabe aquele cara triste, que tá sempre colocando todo mundo para baixo? É ele. O Da Lua e o Rutinha vem das novelas. Em Mulheres de Areia, o personagem Tonho da Lua sempre dizia que “Rutinha é a boa, a Raquel é má”. Virou sinônimo para quem é meio lento das ideias – ou se parece com o ator Marcos Frota.
Outros são mais ofensivos. O Pica-Pau é narigudo. O Pé-Mole não ganha uma dividida. O Cobrinha tem a ver com a comparação dos “equipamentos” durante o banho. E Lacraia, além da semelhança com a dançarina de funk, tem a ver com um assunto que é tabu no futebol: a homossexualidade.
Muita gente pergunta se existe homossexual na várzea. Existe, sim. Mas é raro isso ficar aberto ao time ou aos torcedores. Não conheço nenhum, mas percebo vários. Dá para perceber no jeito de falar e até no domínio de bola. Daí já viu, né? A provocação triplica. E é ampliada pela torcida. Mas esse assunto é para outra coluna. Dá muito pano pra manga!
A verdade é que tudo depende da qualidade do jogador. Se o cara for bom, não tem torcida ou pressão que segure. Bola na rede é o melhor remédio para provocação e artimanhas. E os jogos ainda podem render boas risadas com nomes, no mínimo, pitorescos!
Quando o UOL Esporte mergulhou no futebol de várzea, viu que as pessoas eram atenciosas, mas evitavam alguns assuntos. Quanto os jogadores ganham? Como é a relação jogador/treinador? Torcida tem poder? Para responder a tudo isso, o Papo de Várzea encontrou um espião. Ele é um veterano do futebol amador que aceitou contar os segredos do futebol amador. A cada mês, um tema novo!