Após três meses sem andar e uma parada cardíaca, jogador volta a brilhar na várzea
UOL Esporte
Sabe a frase que “só competir já é uma vitória”? Em poucos casos ela faz mais sentido do que na história do volante Fábio Vieira, o Mentirinha, do Pioneer, da Vila Guacuri. Ele perdeu o movimento nos membros inferiores, passou uma semana na UTI entre a vida e a morte e resistiu a uma parada cardíaca, Voltar a andar já seria um feito e tanto. Mas hoje, dois anos depois de passar um mês internado, ele atua em alto nível no principal torneio de futebol amador de São Paulo.
A história dramática começou em 23 de janeiro de 2011. Então com 30 anos, Fábio percebeu formigamento nos pés. Pouco depois, perdeu completamente a força nas pernas. Foi levado às pressas para o hospital. Quando saiu o diagnóstico, o choque: ele tinha contraído a síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune que causa inflamação no sistema nervoso e tem como sintoma principal a perda de força muscular.
Foram 28 dias internado. Na pior fase da doença, ficou por sete dias em uma UTI. Nesse período, sofreu uma parada cardíaca. “Foi um medo gigante. Quando fui internado, só pensava na minha mulher e no meu filho, que tinha só sete meses”, lembra.
Quando o quadro permitiu que ele ficasse em um quarto comum, ele recebeu uma visita que pautou a recuperação. “Uma pessoa veio de Manaus para conversar. Ele estava recuperado e disse que eu devia me dedicar à fisioterapia, que só com ela eu conseguiria voltar a andar”.
Nessa hora, a experiência como ex-jogador profissional fez a diferença. Fábio começou nas divisões de base do Corinthians, passou pelo São Caetano e virou jogador profissional no Paraná Clube. Encerrou a carreira aos 25 anos, quando defendia o time da Força Sindical, em São Paulo. Nessa época, ficou muito próximo do presidente da entidade, Paulinho da Força, e passou a trabalhar por lá. Virou assessor da secretaria de esportes, função que exerce até hoje.
“A carreira como jogador não deu certo, mas eu sabia do esforço que era necessário. Então, comecei a me dedicar à recuperação. Por um ano, fiz fisioterapia todos os dias. E quando a fisioterapeuta virava as costas para ir embora, eu começava de novo a fazer, por conta própria”.
Ouvindo Fábio contar a história, tudo parece normal. Fácil, até. Mas não foi. Ele precisou de três meses para voltar a andar. Chegou a usar fraldas e sonda. Para se mover, precisava ser empurrado em uma cadeira de rodas. “Nesse período, só o apoio da minha esposa, Tayla, e a alegria do meu filho, Gabriel, me faziam continuar”.
A volta ao futebol amador foi quase natural. Mesmo na UTI, Fábio conversava com os amigos e perguntava placares das partidas. Ouvia, semanalmente, perguntas sobre quando (e nunca se) iria voltar aos campos. A resposta veio menos de um ano depois. E o responsável foi o técnico Vilmar Pereira, o Babão.
Em uma partida de seu time na época, o Água Santa, contra o Casa Grande, Babão resolveu apostar no meio-campista. Era uma decisão de risco. “Fisicamente, ele ainda não estava pronto. Mas eu acompanhei o quanto ele estava se esforçando. O quanto ele queria voltar. Se fosse outra pessoa, talvez nem mesmo tivesse voltado a andar. Mas o Mentira voltou a jogar bola. Ele é um vencedor”, elogia o técnico.
Quando Fábio entrou em campo, os torcedores começaram a gritar seu nome. O desempenho não foi dos melhores. O jogo terminou 0 a 0. Mas foi a maior vitória que ele já conquistou. “Aquele jogo mostrou que era possível voltar. Abracei a fisioterapia com mais força ainda. E hoje estou zerado”.
A prova disso é que o Mentirinha voltou a ser um jogador requisitado na várzea paulistana. Se antes da doença, ele tinha sido bicampeão da Copa Kaiser (Vida Loka/Brasilândia em 2009 e Pioneer/V. Guacuri em 2010), agora ele busca mais um título, novamente pelo Pioneer. E é uma pessoa completamente difrente.
“Jogador, principalmente os de várzea, é egoísta. Quer jogar em Diadema, em Santo André, na Copa Kaiser. Joga três vezes no mesmo dia. Eu era assim. Jogava até quatro vezes no mesmo dia, para ganhar um dinheirinho. Mas isso cobra um preço. Hoje, sei que preciso me cuidar, comer bem, treinar durante a semana. E não posso fazer como fazia antes”.
Quem quiser conferir a recuperação do jogador tem uma grande chance: no próximo domingo, às 13h, ele vai jogar pelo Pioneer contra o Nápoli, da Vila Industrial – o meio-campista está de volta ao time após duas semanas afastado por problemas físicos. O duelo será no estádio Nicolau Alayon, o campo do Nacional, na Barra Funda.