Papo de Varzea

Time de várzea comemora 96 anos após rodar 32km por São Paulo em busca da sede própria

UOL Esporte

O Estrela da Saúde nasceu no dia 1º de setembro de 1917 no bairro da Saúde, em São Paulo. No próximo domingo, comemora 96 anos quase 30km distante do local em que nasceu. O clube quase centenário é o melhor exemplo de como o futebol de várzea paulistano foi sendo expulso do centro da cidade e hoje sobrevive nas periferias (fizemos uma matéria específica sobre o tema aqui: Futebol de várzea foge do centro e encontra abrigo na periferia de SP), sem perder a alegria.

A história é longa, tem uma série de reviravoltas, mas pode ser resumida assim: se você pegar um carro, sair da primeira sede, passar pelas outras cinco casas que o clube já teve e fechar o trajeto na sede atual, terá andado 32km pela cidade, indo do centro até o extremo sul da cidade de São Paulo.

 

Jornada quase interminável

A primeira sede do Estrela foi em terreno baldio. Atrás das Indústrias Moinho Santista, os imigrantes italianos que trabalhavam na fábrica se reuniam, após o expediente, para bater bola no descampado vizinho. Os primeiros jogos da turma foram em 1913, mas a fundação de um clube foi adiada até 1917, por causa da I Guerra Mundial.

Pouco depois da fundação, o Estrela encontrou sua primeira sede de verdade, na Rua Carneiro da Cunha. O terreno ficava no mesmo bairro da Saúde, na zona sul de São Paulo, onde ficava a fábrica em que os imigrantes trabalhavam. O local tinha sido cedido pela família Estefano que, 25 anos depois, retomou as terras.

Deram, porém, um novo terreno em troca, na Avenida Jabaquara, ainda na mesma região. A quarta troca de endereço veio rápida. Em dois anos, os Estéfanos mais uma vez pediram as terras de volta. Com isso, mandaram o clube para a Rua Fagundes Filho. Ainda na Saúde, o Estrela, ganhou, então, seu primeiro estádio.

Na quarta sede, ficou por 20 anos, período em que chegou a conquistar uma vaga na elite do futebol de São Paulo. Em 1949, o time se tornou campeão varzeano do estado e conquistou uma vaga na Segunda Divisão do Campeonato Paulista. Dez anos depois, conquistou o título da Segundona. Só não subiu para elite porque não tinha um estádio para 15 mil pessoas, exigência da Federação Paulista para a Primeira Divisão.

Calote na Vila Mariana

Após a conquista da Segunda Divisão, veio um período de incertezas e uma nova mudança, para aquela que seria a quinta casa do clube. Essa sede, porém, não chegou nem mesmo a ser ocupada. E a história por trás dela é daquelas que são estranhas demais para serem inventadas. Em 1961, a diretoria do clube recebeu uma boa proposta pelo terreno. Vendeu. Arrecadou um milhão de cruzeiros com as terras e mais um milhão com materiais de construção reciclados do estádio.

O Estrela, então, comprou outro terreno, na Avenida Vergueiro, no bairro da Vila Mariana. No negócio, estava também, prevista, a construção de um novo estádio. Para ter dinheiro para a obra, a empresa que iria arcar com as obras vendeu títulos de sócios. O problema é que o estádio nunca saiu do papel.

Meses depois, a compra foi anulada e um dos sócios da empresa sumiu com os quatro milhões arrecadados com os títulos. O Estrela recuperou apenas metade do que tinha sido arrecadado e levou mais nove meses para encontrar uma nova sede. Com menos dinheiro, a solução foi procurar longe de casa. Encontraram, então, um terreno na represa de Guarapiranga, ocupado em 1963.

Parceria com São Paulo por dívidas

 

O Estrela está na represa até hoje, mas longe de ser o clube de antigamente. Na década de 90, já com poucos sócios, passou a sofrer com dívidas e teve de fazer uma parceria com o São Paulo para sobreviver. A sede foi dividida e a maior parte, 90 mil metros quadrados, acabou cedida, em comodato, para o São Paulo. Sobraram o campo e a área do estacionamento e do bar. Em troca, o São Paulo pagou os mais de R$ 300 mil em impostos atrasados.

Esses problemas, porém, não impedem que o clube, ainda hoje, tenha um papel importante no futebol paulista. O maior exemplo disso é que os dois jogadores mais famosos que já vestiram sua camisa ainda estão em atividade. O volante Denílson, que passou pelo Arsenal e voltou recentemente ao São Paulo, começou a jogar no campo da Guarapiranga. Seu pai, inclusive, é o responsável, atualmente, pelas categorias de base do clube. Já o atacante Leandro Damião, do Internacional, que já chegou à seleção brasileira, disputou a Copa Kaiser pelo clube.