Índio e futebol: em sede da Copa, jovens índios sonham com seleção
Papo de Várzea
Até hoje, membros das várias nações indígenas que fazem parte da população nativa do Brasil sonham em ver um representante vestindo a camisa amarela da seleção. O caminho para que isso se torne realidade, porém, já está sendo traçado. E passa por um dos maiores campeonatos de futebol amador do mundo.
O Peladão, de Manaus, reúne mais de 1000 equipes de futebol de várzea, entre elas, algumas de origem indígena. Todas elas jogam em sua própria categoria. Nesta temporada, a final dos índios reuniu as tribos Sateré Mawé e Munduruku. Mais do que o placar (3 a 1 para os Saterá Mawé), o sucesso do torneio é medido pelo resultado social.
Quando a categoria indígena foi criada, o objetivo era reunir 20 mil índios de várias etnias que deixaram a floresta para morar em Manaus – para quem achou o número alto, saiba a população da capital amazônica tem dois milhões de habitantes. Ainda não chegou lá. Mas o clima amistoso da final, disputada em um gramado perto da Universidade Federal do Amazonas, foi um marco.
Sem arquibancada, uma centena de torcedores, parentes e amigos dos jogadores, se amontoam em pé ao redor do campo. Outros preferem fazer piqueniques na grama. É temporada de uma iguaria local, a tanajura, uma grande formiga negra que os índios comem viva, após arrancarem a cabeça com os dentes.
Os índios bebem também uma água misturada com farinha de mandioca que eles compartilham numa cuia em formato de colher. ''Tem uma lado espiritual, é para se fortalecer'', explicou Jayme Dyacara, de 39 anos, oriundo de Rio Negro.
Força, aliás, é o que eles precisam. Muitos dos finalistas têm o mesmo dos outros garotos brasileiros: ser jogador de futebol. E enfrentam ainda mais dificuldades que os garotos da cidade. ''Os Índios são muito pobres e não têm patrocínio'', lamenta o jovem Daniel Munduruku, de 22 anos, que exibe uma cabeleira vermelha no estilo moicano de Neymar. “Mas todos sonham com a seleção”, completa.
''É um dia de diversão para os índios. Eles precisam de visibilidade e de ocasiões para mostrar seu valor'', disse Arnaldo Santos, coordenador do Peladão.
O campeonato todo, aliás, é uma grande oportunidade para ser visto. O formato para isso ajuda. O Peladão é um campeonato sui generis por seu formato e pelas características do Amazonas. Gigantesco, o estado exige logísticas complicadas para viajar de cidade em cidade- às vezes, são necessários dias de barco para se jogar uma partida.
Muito mais incomum, porém, é a regra das rainhas da beleza. A categoria principal reúne homens de 16 e 39 anos, com 500 equipes participantes. Cada uma delas é representada por uma rainha, que exerce um papel crucial: quem é eliminado dentro de campo pode voltar à competição caso sua Miss vire a ''Rainha do Peladão''.
Na edição 2013, as 12 finalistas estão confinadas num barco ancorado sobre o rio Amazonas. Elas participam de um programa da televisão local e aguardam o anúncio da vencedora, decidida por um juri de especialistas.
A categoria indígena (também são disputados um Peladão juvenil e um feminino, completando quatro categorias) também tem sua rainha – mas sem o poder de interferir no resultado da competição.
Neste ano, cinco candidatas se enfeitaram com penas e pinturas corporais na floresta. Em fila, se apresentaram para os jurados e o público. ''Não é só a beleza que conta. Aqui, mostramos também nossa cultura, nossas tradições, nossos desenhos corporais e o que representam'', explicou o antropólogo indígena João Paulo Tucano.
A vencedora foi Suellen, uma jovem de 18 anos da etnia Dessano, que usa como pendente um dente de onça, símbolo de força. ''É a segunda vez que eu ganho. Agora, sonho em me tornar atriz'', admite a jovem.
Por Bruno Doro, com texto da AFP