Papo de Varzea

Um dia na vida de um time de várzea

Papo de Várzea

Amigos varzeanos, bom ano para todos!

Em velocidade de cruzeiro para aproveitar as férias, vou compartilhar com vocês um texto que o Gabriel Luccas mandou para o blog. Seria publicado em uma revista que nunca saiu do projeto. Mas é um relato interessante.

Um abraço!

Bruno Doro

leoesemfesta]

Leões em festa

À beira do campo da Sociedade Vila Sabrina quem dá o cartão de visitas é um torcedor aleatório. O copo de cerveja nas mãos e a feição de quem já havia tomado uns goles a mais aparentemente não o credenciam como uma fonte confiável. Mas a frase sim. “Esse time está invicto na competição. Até agora foram seis jogos e seis vitórias. Eu moro no Jabaquara, mas faço questão de acompanhar os jogos do Leões”.

Como não há arquibancadas, os torcedores ficam atrás do alambrado. O embate entre Leões da Geolândia e Ouro Negro, válido pela terceira fase da Copa Kaiser, conta com aproximadamente 100 pessoas. Desmembrando por ordem de interesse, a bateria, ininterrupta, fica por conta de 15 aficionados; a alegria do ambiente é compartilhada por outros 80 – entre parentes, amigos, torcedores e desavisados. Os cinco restantes não querem saber de bola. Estão compenetrados em uma emocionante partida de dominó.

Tudo parece interessante. Mas é de dentro do campo que realmente se sente o clima do futebol varzeano.

O artilheiro

Em meio aos truculentos atletas de defesa do adversário, o camisa 7 do Leões chama a atenção. Tininha, de 26 anos, é a principal opção de gols da equipe. O físico franzino parece desabilitá-lo ao sucesso, mas o número de gols marcados na competição (é o principal artilheiro do time) revela o cuidado a ser tomado com ele.

Contra a equipe do Ouro Negro pouco encostou na bola, mas marcou os dois gols da partida. O primeiro surgiu da trombada entre zagueiro e goleiro adversários. Com a meta vazia apenas empurrou para as redes. No segundo, na etapa final, recebeu a bola na entrada da área e chutou forte, à meia altura, e saiu para a comemoração.

Jogador de várzea está ‘preso’ ao time que joga ou pode torcer para um clube profissional? “Pode, sim. O meu é o Corinthians. Aqui (no time do Leões) visto o verde e branco, mas levo o preto e branco no coração!”. Quem vê a firmeza de Tininha ao falar do time de Parque São Jorge logo imagina que o atleta tem como ídolos Romário, Robinho, ou Ronaldinho. Ledo engano. “Não me inspiro em ninguém. Meu estilo é um só: jogo a bola na frente e ninguém me alcança na corrida”. A receita é simples, dífícil é pará-lo.

O Massagista 

Quem assistir às partidas do Leões da Geolândia certamente vai dividir a atenção entre o campo e o banco de reservas. Rivalizando com o bom futebol da equipe, Cícero Lopes da Silva – o “Ligeirinho”, se você preferir – é um dos que mais se desgasta durante os jogos.

Para saber a origem do apelido não é preciso muito. Ele corre para atender um atleta lesionado com a mesma volúpia de um atacante à procura do gol. Mas se o lance estiver parado dentro de campo, para ele nada muda. Está em constante movimentação – para orientar os jogadores, manter-se aquecido ou disfarçar o nervosismo.

Oficialmente é massagista e preparador físico do time, mas pode ser facilmente confundido com técnico, torcedor, psicólogo… “Faço tudo por amor. Aqui é uma grande família”. A arma secreta de Ligeirinho está no banco de reservas. Mas não veste chuteiras. De lá os jogadores não voltam do intervalo sem chupar uma laranja. Por quê? “Alimenta e o time não fica pesado. Laranja é o que não falta pra eles. Os adversários não usam isso e cansam mais rápido”.

Aos 57 anos, Ligeirinho diz não idealizar o futuro. Mas um sonho ele tem. “Queria ter um curso completo de preparador físico. Se não desse, um estágio com um profissional da área me realizaria”. Ele mesmo parece não acreditar na concretização do desejo. Pouco importa. O sorriso no rosto do pernambucano denuncia que ali está uma pessoa inteiramente feliz.

‘Estrangeiros’ 

Apesar de se tratar de futebol amador, o segredo para o sucesso na categoria é o “profissionalismo”, mesmo quando não há espaço para praticá-lo. Viver como jogador amador é um luxo. Treinar também. Com espaço de 15 dias entre as partidas, cada atleta exerce outra atividade profissional – fora do esporte. Por isso, não há ensaios. O time se junta às pressas e vai para o jogo.

Da equipe titular do Leões da Geolândia, sequer um nasceu na própria Vila Medeiros – a começar pelo treinador Nilton, nascido em Pirituba e dono de uma padaria na Vila Sabrina “O pessoal que joga aqui vem de fora. Eu e outros diretores observamos bons jogadores na várzea e tentamos trazer pra cá. Essa moçada recebe por partida”.

Para ajudar na estratégia de convencimento, há o forte apoio dos patrocinadores. “Só com estrutura conseguimos fazer uma equipe vencedora”. Com estrutura e com ‘ajuda profissional’. “Temos o apoio de muitos atletas. Os que mais ajudam são o Vagner Love (atacante da seleção brasileira), que inclusive já jogou aqui para nós, e o Nadson (ex-Corinthians)”. Exemplo desta ajuda chegará via Coréia, país em que joga Nadson. “Ele vai nos mandar uniformes novos, no valor de 6 mil reais. Pode até divulgar o valor”.

Divulgado.

Por Gabriel Luccas