Documentário francês, futebol brasileiro e o torcedor
Papo de Várzea
Nos dias 18, 19 e 20, a várzea de verdade chega à televisão, com o documentário francês “Várzea, o futebol da minha quebrada”. O filme, que será exibido em três capítulos de 30 minutos na ESPN Brasil, passa por campo, bola e jogadores, claro. Mas é centrada no torcedor. É ele o coração desse movimento que reúne, a cada fim de semana, milhares de pessoas ao redor dos muitos terrões pelo Brasil.
Quem captou esse espírito foi o francês Stephane Darmani, um empreendedor que chegou ao Brasil para vender bijuterias e acabou se apaixonando pelo jeito brasileiro de fazer futebol. O trabalho, que será exibido, também, na França, pelo Canal+, é o resultado de um ano e meio de dedicação a um dos times mais populares do futebol amador paulistano, o Noroeste da Vila Formosa.
Para quem não sabe, é o time do atacante Rildo, da Ponte Preta, que nesta quarta-feira disputa a final da Copa Sul-Americana, na Argentina, contra o Lanús. O jogador é a maior revelação do clube, mas é a exceção, não a regra. E é justamente isso que o filme de Darmani mostra. A decisão por passar um ano inteiro ao lado de todos os envolvidos com o Noroeste não foi tomada pelo produto mais brilhante, o jogador profissional que saiu da comunidade. Mas justamente por quem não teve oportunidade para sair da quebrada.
Pelas pessoas comuns, como vocês, que estão lendo este post, que fazem com que o futebol de várzea seja tão apaixonante. As pessoas que correm atrás da sobrevivência durante toda a semana. Mas aos domingos, estão correndo atrás do time, orgulhosos por verem 11 jogadores em campo com a sua camisa, honrando as cores do bairro em que você nasceu. E no Noroeste, tudo isso é muito intenso.
Na Vila Guarani, onde fica a sede do clube, os craques que seguem defendendo a equipe são questão de orgulho. O time é formado por esses abnegados. São atletas que nasceram por lá, aprenderam a jogar bola na escolinha do clube e hoje são os craques da comunidade. “Quando eu decidi fazer o documentário, era isso que eu procurava. Não essa coisa de pegar um jogador de São Mateus, outro de Guarulhos, outro da zona sul e fazer uma panela para montar um time”, conta Darmani.
“O Noroeste é o oposto disso. Vários jogadores são de lá. O Bimba, que é o capitão, o Mimi, a zaga inteira. O Memeco, um dos zagueiros, joga no time desde os 12 anos. Tem uma porção de fotos dele na sede com a camisa do Noroeste, desde criança”, completa.
Essa junção entre time, comunidade e torcida, porém, fica mais evidente no principal personagem do documentário. Barba é o narrador da história. Torcedor símbolo, ele cuida da sede do clube, é uma das figuras centrais da bateria (sua marca registrada é acompanhar aos jogos mascarado) e é um líder na comunidade.
E sua história mostra como é difícil a vida em comunidades carentes no Brasil. Pouco depois da eliminação do Noroeste na Copa Kaiser de 2012 (o time perdeu as semifinais nos pênaltis), dois garotos foram mortos em uma chacina dentro da favela. Os moradores protestaram e queimaram ônibus. Barba foi o único preso. Ficou quatro meses na cadeia e acabou inocentado.
Não sei se o documentário chega a essa conclusão, mas a história de Barba pode ser uma parábola para como o futebol amador no Brasil é tratado. A importância de figuras como ele é usada pelas autoridades para exercer controle sobre as comunidades carentes. A prisão de Barba não é muito diferente do que um vereador que oferece grama sintética ao campo do bairro quer. Ambos são meios de controle das autoridades sobre quem precisa de ajuda. Uma delas pela força bruta, outra pela força econômica.
E o futebol de várzea fica ali, no meio, espremido. Mas sempre vibrante. Quer uma prova? A pré-estreia do filme, marcada para sexta-feira, às 20h, no campo do Americano, próximo da comunidade em questão, deve ter mais de mil pessoas…
Por Bruno Doro