O que o vencedor do Oscar tem a ver com o futebol de várzea?
Papo de Várzea
Na semana passada, estreou nos cinemas brasileiros uma animação diferente. Coproduzida por Argentina e Espanha, Um Time Show de Bola conta a história de Amadeo e seu time de pebolim. Eu, particularmente, prefiro o nome original: Metegol. Em português, deveria ser pebolim, mesmo. Ou Totó. A adaptação “Sessão da Tarde” é desnecessária.
Bom, vamos aos dados. O diretor do filme é o argentino Juan Jose Campanella. Para quem não conhece, ele é o responsável pelo filme de 2010 O Segredo dos Seus Olhos, ganhador do Oscar. Ironicamente, ele já disse não ser um fanático pelo esporte. Não dá para perceber. Ele já tinha usado o esporte no filme oscarizado. Volta a usá-lo agora, como pano de fundo para contar uma estória de amizade, coletividade e superação.
A trilha sonora é o ponto fraco. Encanta com os tangos, decepciona com os pseudo-dances. Como é um filme para a garotada, acho que esse detalhe vai passar despercibido pela maioria. Eu me incomodei.
O enredo não é dos mais complexos. Amadeo é um garoto tímido, mas que tem um talento único: é craque no pebolim. Um dia, vence o garoto mais metido da cidade, chamado Grosso. Tempos, o menino do nariz empinado volta para a cidade, como craque de futebol (o futebol, no caso, o real). E quer se vingar de Amadeo em sua praia: uma digna pelada, com profissionais de um lado e amadores do outro.
E é aí que Campanella, o diretor do Oscar, se encontra com o futebol de várzea. A escalação do time que defende a honra de Amadeo e do vilarejo é varzeana de raiz, com vendedores, velhinhos, um nerd, um padre e até uma velhinha disfarçada de homem.
É o clichê do bem contra o mal, oprimidos contra opressores. Mas o jeito como essa fácul é contada impressiona. Esteticamente, é uma das grandes animações já feitas – não à toa é um dos filmes mais caros do cinema argentino. Os traços lembram fim dos anos 80, com cores carregadas e cheias de estilo. Alguns lances do jogo, é verdade, caem no estilo videogame, uma coisa meio PS3 e Fifa. Mas também existem os trechos neo-Toy Story, já que os brinquedos ganham vida. Os bonecos do pebolim ajudam Amadeo a superar seu inimigo.
E os detalhes impressionam. A mesa de pebolim de Amadeo é velha – ainda mais no momento em que a história é contada, de Amadeo para seu filho. As cores meio desgastadas e as falhas na tinta dos bonecos estão lá, perfeitas no filme, com direito a arranhões e desgaste do tempo. E o melhor: são bonecos com rosto, diferentes dos totós de hoje em dia, massas disformes que só com muita criatividade ganham contornos humanos.
Em campo, esse bonecos parecem inspirados em ídolos reais das décadas de 70 e 80. Quem tem mais de 30 anos pode viajar, reconhecendo características de Passarella, Ardiles, Burruchaga, Valderrama, Kempes, Leopoldo Luque, Falcão…
Como não podia deixar de ser, podemos ver algumas críticas no filme. O mais evidente é a recusa em aceitar o mundo capitalista do futebol atual, que aceita jogadores mimados, empresários gananciosos, televisão cada vez mais influente e estádios moderníssimos que destroem a paisagem das cidades. É um filme que discute até que ponto a tecnologia ajuda ou acaba com o futebol puro, simples e divertido. E aí? Poderia ser mais várzea do que isso?
Marcelo S. Costa, do jornal É Nosso (com algumas mudanças de Bruno Doro)