Papo de Varzea

Irmãos, sim! Futebol. . . à parte!

UOL Esporte

O texto a seguir foi enviado ao blog pelo Waldir Capucci. Ele leu a história dos irmãos Rosa (Máquina niveladora, irmão marrento, caçula “traíra”: no Dia dos Pais, histórias de uma família de varzeanos) e se lembrou da história de seus tios, craques em Jacareí. A leitura vale a pena:

Irmãos, sim!  Futebol. . . à parte!

Não presenciei, mas ouvi muitos relatos de personagens e testemunhas e, também, li vários recortes de jornais da época atestando a veracidade dos fatos.

Na primeira metade do século XX, mais precisamente na década de quarenta, havia uma grande rivalidade entre duas equipes de futebol de Jacareí.

Quem não era torcedor do Esporte Clube Elvira, o famoso vermelhinho, certamente torcia pela Ponte Preta Futebol Clube, a esquadra alvinegra, já que não havia como ficar neutro; todos tinham uma preferência clubística.

As únicas e conhecidas exceções veremos mais adiante.

Quando as equipes se enfrentavam, a cidade toda acabava envolvida. Não existia outro assunto nas conversas ao longo da semana que antecedia o clássico municipal. No dia, então, o estádio ficava lotado e os torcedores incentivavam os jogadores desde antes do apito inicial, sem esmorecer.

Encerrado o jogo, a semana seguinte era consumida pelos comentários sobre a porfia futebolística, e heróis e vilões eram obrigados a conviver com as opiniões dos torcedores até um novo confronto.

Cada time tinha seus ídolos, aqueles que davam ao torcedor a confiança e segurança de que a equipe não seria derrotada. No Elvira, as atenções recaíam principalmente sobre o centroavante Raul, corpo esguio, driblador, muito rápido e exímio goleador. Já do lado da Ponte Preta, a idolatria maior era por Horácio, goleiro de boa estatura, excelente reflexo, narigudo em razão da descendência libanesa, preciso nos saltos e sempre fazendo defesas milagrosas que levavam os torcedores de sua agremiação ao delírio, e os da adversária, ao pânico.

A cidade parava a cada confronto, as paixões afloravam e discussões e apostas surgiam nas esquinas. Exceção apenas na casa dos imigrantes José e Irineia, pais de Raul e Horácio, que, junto com os demais sete filhos, torciam pelos gols do lépido centroavante e pelas defesas do intrépido arqueiro.

Sim, o artilheiro e o goleiro adversários no campo eram irmãos e, ainda solteiros, moravam sob o mesmo teto. Juntos, trabalhavam no armazém da família, ajudando o pai, que nunca permitiu que a rivalidade futebolística se estendesse ao lar, e, independente do resultado, a harmonia sempre fez parte da rotina daquela casa.

Fotos antigas registram a presença no estádio do pai, José Ale, trajando um sobretudo escuro, vistoso chapéu na cabeça e portando uma bengala, que girava ameaçadoramente para quem ousasse dirigir críticas ou palavrões para uma de suas crias em campo. Tinha como retaguarda a presença ao seu lado de outros três filhos, muito fortes e prontos a defender o pai e a honra da família em qualquer situação.

Já a mãe e suas quatro filhas ficavam limitadas a ouvir pelo rádio, já que não havia televisão na época. E, juntas, sofriam do mesmo modo. Quando do retorno dos homens ao lar, estes já encontravam o jantar pronto para as prazerosas noites em família, na qual era proibido falar do jogo.

Com o decorrer dos anos, muitos foram os embates entre as agremiações e não sei qual teve mais vitórias sobre o outro. Raul faleceu em 1982, com 57 anos, e Horácio, em 1996, com 69 anos. Ambos se vangloriavam de ter vencido mais vezes e, enquanto um enaltecia seus gols, o outro se gabava de suas defesas. Por amor a ambos, jamais pesquisei para saber a verdade, preferindo acatar o empate como resultado.

Ficaram as histórias, as boas recordações, os amigos. E também um acervo de troféus e o legado de vitórias e títulos para as agremiações que defenderam com aquela galhardia amadora de outrora, inexistente nos dias atuais.

E eu, muito privilegiado, tive nos animados encontros familiares a oportunidade de conviver com os dois craques, meus tios por parte materna, ouvindo deles deliciosas narrações e fatos pitorescos daquela época.

Registros que mantenho guardados no acervo pessoal do meu coração, onde sempre os rebusco através do pensamento, e inebriado pelas deliciosas lembranças, dou-me o direito de rir ou chorar, manifestações causadas pela emoção de recordações familiares tão marcantes na minha vida.

Gostou do texto? Tem uma história parecida? Mande para o nosso blog! O e-mail é esse: papodevarzea@gmail.com