Papo de Varzea

Várzea real: Pelé começou no terrão

Papo de Várzea

Dizem que para ser rei é preciso nascer em berço de ouro. No futebol, quando se fala em reinado, lembramos apenas de Pelé. O Rei absoluto dentro das quatro linhas não contrariou a essa regra. Sim, o camisa 10 da Seleção foi concebido pelo ventre majestoso do futebol de várzea, o eterno celeiro de craques.

Foi o campo laranja do bairro Vila Curuçá, em Bauru, interior de São Paulo, desenhado com uma demarcação mal feita que serviu decenário para desafiar o melhor do mundo. Na época, o melhor do São-Paulinho do antigo terrão de Curuçá, bairro hoje conhecido na cidade como Vila Dutra.

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Exceto pela curiosidade de que Pelé já vestiu sim uma camisa tricolor na várzea, talvez contrariando muitos santistas por aí, os oito gols que o menino marcou na goleada do seu time do bairro por 11 a 0 contra o Popular Atlético Clube não seria uma novidade para ninguém nos tempos de hoje. Mas em 1955, isso impressionava um bocado a molecada de Bauru. Mal imaginava Pelé, nem o time do São-Paulinho ou do Popular Atlético Clube de que três anos depois, o menino estaria no profissional, na Seleção Brasileira, na Suécia e com o título da primeira Copa do Mundo para o elenco canarinho. E com apenas 17 anos de idade.

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Nesse tempo, o campo onde o menino Edson sujava sua chuteira, tênis ou pé de terra, ainda era de terra batida. Como símbolo da especulação imobiliária, o campo de várzea se foi. Ou melhor, só o terrão e a várzea deram adeus, porque o campo ficou. Para a sorte (ou não) do futebol,nascera ali o Estádio Distrital José Spetic Filho.

Atualmente, o futebol de várzea perde gradativamente a sua característica da realeza. Pode parecer contraditório, mas os espaços que estão deixando de ser de terra para dar lugar às gramas sintéticas tiram dos seus descendentes a possibilidade de alcançarem a coroa. Aliás, o nome já diz: sintético. Essa “neovárzea” vive um grave conflito com a profissionalização da modalidade e o pagamento de jogadores em grandes competições amadoras. Gozado! Em meados da década de 1950, Pelé juntava amendoins para vender a fim de pagar o caminhão que levasse seu elenco aos jogos. Quando o pequeno Edson não tinha dinheiro, era o caminhão que ia até a casa dele para busca-lo. Imagine quanto Pelé ganharia se jogasse na várzea de hoje!

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Mas era 1955, época em que o São-Paulinho disputava o Campeonato Varzeano daquele ano. Competição dura, de pontos corridos. A goleada do time da Vila Curuçá por 11 a 0 poderia ter sido com um gol marcado por cada jogador. Pelé marcou por ele e mais sete colegas de time, mas permitiu que Pico, Jairo e Roma completassem o placar naquele 27 de março. O campeão São-Paulinho teve Pelé como artilheiro com 38 gols e Pico na segunda colocação, com 20. Era só o começo!

Por Diego Viñas