Papo de Varzea

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60 jogos simultâneos, 1000 partidas por ano. E sem tapetão
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Papo de Várzea

Na última rodada do Campeonato Brasileiro, a Portuguesa colocou o meia Heverton em campo. Como estava suspenso, o time paulista corre o risco de ser rebaixado por ter usado o jogador. Quem acompanhou a polêmica durante a semana certamente escutou muita gente falando que isso tudo é digno da várzea. Muito pelo contrário…

Saiba que na várzea esse controle é feito de uma maneira simples e eficaz. Olhe a Copa Kaiser, por exemplo. Nas primeiras etapas, a cada fim de semana são realizados 100 jogos. Segundo a organização, nunca o tapetão teve de ser usado para tirar pontos por uso de jogador irregular. E olha que são quase 400 times envolvidos e mais de 1000 partidas disputadas a cada temporada. Como isso é possível? Ao contrário do futebol profissional, as pessoas parecem se importar com o fato.


Pode parecer uma afirmação dura, mas não é. No torneio de várzea, todos os mesários chegam para suas partidas com uma lista de jogadores com condição de jogo. Quem está suspenso aparece em vermelho e não joga. Simples, não?

Mas e os julgamentos, você pode perguntar. Bom, a comissão disciplinar se reúne todas as segundas-feiras, analisa as quase 100 súmulas do fim de semana e faz as deliberações necessárias. Ao fim do processo, um e-mail é mandado para todos os times envolvidos em algum tipo de decisão. Mesmo quem não recebe essa comunicação não pode dizer que não foi informado, já que uma hora depois do fim das análises, os resultados são publicados no site oficial.

Nenhuma dessas ações é complicada ou exige muito esforço. Mas é preciso ter vontade de divulgar o que se é decidido. Olhe o caso da Portuguesa: o julgamento foi em uma sexta-feira e a decisão só chegou às mãos do clube (vamos, aqui, excluir a figura do advogado) no fim da tarde de segunda. Muito tempo, não?

Quem lucra com essa demora na divulgação dos resultados? Ninguém! E qual o motivo para que isso continue assim? Eu, sinceramente, não sei responder. Parece que a organização do campeonato e o próprio tribunal não se incomodam com as armadilhas que são criadas a cada julgamento. Eles parecem satisfeitos em colocar obstáculos para as equipes, não ajudar quem está participando.

Por Bruno Doro


Documentário francês, futebol brasileiro e o torcedor
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Papo de Várzea


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Nos dias 18, 19 e 20, a várzea de verdade chega à televisão, com o documentário francês “Várzea, o futebol da minha quebrada”. O filme, que será exibido em três capítulos de 30 minutos na ESPN Brasil, passa por campo, bola e jogadores, claro. Mas é centrada no torcedor. É ele o coração desse movimento que reúne, a cada fim de semana, milhares de pessoas ao redor dos muitos terrões pelo Brasil.

Quem captou esse espírito foi o francês Stephane Darmani, um empreendedor que chegou ao Brasil para vender bijuterias e acabou se apaixonando pelo jeito brasileiro de fazer futebol. O trabalho, que será exibido, também, na França, pelo Canal+, é o resultado de um ano e meio de dedicação a um dos times mais populares do futebol amador paulistano, o Noroeste da Vila Formosa.

Para quem não sabe, é o time do atacante Rildo, da Ponte Preta, que nesta quarta-feira disputa a final da Copa Sul-Americana, na Argentina, contra o Lanús. O jogador é a maior revelação do clube, mas é a exceção, não a regra. E é justamente isso que o filme de Darmani mostra. A decisão por passar um ano inteiro ao lado de todos os envolvidos com o Noroeste não foi tomada pelo produto mais brilhante, o jogador profissional que saiu da comunidade. Mas justamente por quem não teve oportunidade para sair da quebrada.

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Pelas pessoas comuns, como vocês, que estão lendo este post, que fazem com que o futebol de várzea seja tão apaixonante. As pessoas que correm atrás da sobrevivência durante toda a semana. Mas aos domingos, estão correndo atrás do time, orgulhosos por verem 11 jogadores em campo com a sua camisa, honrando as cores do bairro em que você nasceu. E no Noroeste, tudo isso é muito intenso.

Na Vila Guarani, onde fica a sede do clube, os craques que seguem defendendo a equipe são questão de orgulho. O time é formado por esses abnegados. São atletas que nasceram por lá, aprenderam a jogar bola na escolinha do clube e hoje são os craques da comunidade. “Quando eu decidi fazer o documentário, era isso que eu procurava. Não essa coisa de pegar um jogador de São Mateus, outro de Guarulhos, outro da zona sul e fazer uma panela para montar um time”, conta Darmani.

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“O Noroeste é o oposto disso. Vários jogadores são de lá. O Bimba, que é o capitão, o Mimi, a zaga inteira. O Memeco, um dos zagueiros, joga no time desde os 12 anos. Tem uma porção de fotos dele na sede com a camisa do Noroeste, desde criança”, completa.

Essa junção entre time, comunidade e torcida, porém, fica mais evidente no principal personagem do documentário. Barba é o narrador da história. Torcedor símbolo, ele cuida da sede do clube, é uma das figuras centrais da bateria (sua marca registrada é acompanhar aos jogos mascarado) e é um líder na comunidade.

 

E sua história mostra como é difícil a vida em comunidades carentes no Brasil. Pouco depois da eliminação do Noroeste na Copa Kaiser de 2012 (o time perdeu as semifinais nos pênaltis), dois garotos foram mortos em uma chacina dentro da favela. Os moradores protestaram e queimaram ônibus. Barba foi o único preso. Ficou quatro meses na cadeia e acabou inocentado.

Não sei se o documentário chega a essa conclusão, mas a história de Barba pode ser uma parábola para como o futebol amador no Brasil é tratado. A importância de figuras como ele é usada pelas autoridades para exercer controle sobre as comunidades carentes. A prisão de Barba não é muito diferente do que um vereador que oferece grama sintética ao campo do bairro quer. Ambos são meios de controle das autoridades sobre quem precisa de ajuda. Uma delas pela força bruta, outra pela força econômica.

E o futebol de várzea fica ali, no meio, espremido. Mas sempre vibrante. Quer uma prova? A pré-estreia do filme, marcada para sexta-feira, às 20h, no campo do Americano, próximo da comunidade em questão, deve ter mais de mil pessoas…

Por Bruno Doro

 


Mais um livro do terrão
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Papo de Várzea

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Fico feliz quando alunos de comunicação me procuram para ajudar em seus trabalhos de conclusão, os temidos TCC. Dessa vez, tive a honra de prestigiar a apresentação do livrorreportagem “Nas Linhas da Várzea: o legado do futebol de várzea em São Paulo”, produzido por alunos da Universidade Metodista, em São Bernardo, ABC.

Thiago Fatichi, 22 anos, integrante do grupo, conta que falar de várzea teve um sabor especial. “Porque é onde ainda se pratica o futebol de verdade, com alma”.  Já para Letícia Cislinchi, 21, o desafio foi outro. “Somos um grupo formado em sua maioria por mulheres. Na hora de gravar, preferíamos que um dos meninos fosse com a gente. Depois de perceber que as pessoas tratavam a gente com muito respeito, passamos a ir sozinhas mesmo”, contou.

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Uma das histórias do livro é a de Milton Bigucci, varzeano que hoje ganha a vida destruindo campos para construir prédios. Sim, o que antes era sua diversão virou o seu negócio.  Pode? Na foto dos universitários, em pé, da esquerda para direita, estão Núbia Anacleto, Mayara Nukamoto, Letícia Cislinschi, Thamiris Rezende e Camila Lima. Agachados: Guilherme Farias e Thiago Fatichi.

Quer ler o livro? A versão online está disponível em http://bit.ly/1ks9R99.

Por Diego Viñas


Várzea real: Pelé começou no terrão
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Papo de Várzea

Dizem que para ser rei é preciso nascer em berço de ouro. No futebol, quando se fala em reinado, lembramos apenas de Pelé. O Rei absoluto dentro das quatro linhas não contrariou a essa regra. Sim, o camisa 10 da Seleção foi concebido pelo ventre majestoso do futebol de várzea, o eterno celeiro de craques.

Foi o campo laranja do bairro Vila Curuçá, em Bauru, interior de São Paulo, desenhado com uma demarcação mal feita que serviu decenário para desafiar o melhor do mundo. Na época, o melhor do São-Paulinho do antigo terrão de Curuçá, bairro hoje conhecido na cidade como Vila Dutra.

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Exceto pela curiosidade de que Pelé já vestiu sim uma camisa tricolor na várzea, talvez contrariando muitos santistas por aí, os oito gols que o menino marcou na goleada do seu time do bairro por 11 a 0 contra o Popular Atlético Clube não seria uma novidade para ninguém nos tempos de hoje. Mas em 1955, isso impressionava um bocado a molecada de Bauru. Mal imaginava Pelé, nem o time do São-Paulinho ou do Popular Atlético Clube de que três anos depois, o menino estaria no profissional, na Seleção Brasileira, na Suécia e com o título da primeira Copa do Mundo para o elenco canarinho. E com apenas 17 anos de idade.

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Nesse tempo, o campo onde o menino Edson sujava sua chuteira, tênis ou pé de terra, ainda era de terra batida. Como símbolo da especulação imobiliária, o campo de várzea se foi. Ou melhor, só o terrão e a várzea deram adeus, porque o campo ficou. Para a sorte (ou não) do futebol,nascera ali o Estádio Distrital José Spetic Filho.

Atualmente, o futebol de várzea perde gradativamente a sua característica da realeza. Pode parecer contraditório, mas os espaços que estão deixando de ser de terra para dar lugar às gramas sintéticas tiram dos seus descendentes a possibilidade de alcançarem a coroa. Aliás, o nome já diz: sintético. Essa “neovárzea” vive um grave conflito com a profissionalização da modalidade e o pagamento de jogadores em grandes competições amadoras. Gozado! Em meados da década de 1950, Pelé juntava amendoins para vender a fim de pagar o caminhão que levasse seu elenco aos jogos. Quando o pequeno Edson não tinha dinheiro, era o caminhão que ia até a casa dele para busca-lo. Imagine quanto Pelé ganharia se jogasse na várzea de hoje!

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Mas era 1955, época em que o São-Paulinho disputava o Campeonato Varzeano daquele ano. Competição dura, de pontos corridos. A goleada do time da Vila Curuçá por 11 a 0 poderia ter sido com um gol marcado por cada jogador. Pelé marcou por ele e mais sete colegas de time, mas permitiu que Pico, Jairo e Roma completassem o placar naquele 27 de março. O campeão São-Paulinho teve Pelé como artilheiro com 38 gols e Pico na segunda colocação, com 20. Era só o começo!

Por Diego Viñas

 


O que o vencedor do Oscar tem a ver com o futebol de várzea?
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Papo de Várzea

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Na semana passada, estreou nos cinemas brasileiros uma animação diferente. Coproduzida por Argentina e Espanha, Um Time Show de Bola conta a história de Amadeo e seu time de pebolim. Eu, particularmente, prefiro o nome original: Metegol. Em português, deveria ser pebolim, mesmo. Ou Totó. A adaptação “Sessão da Tarde” é desnecessária.

Bom, vamos aos dados. O diretor do filme é o argentino Juan Jose Campanella. Para quem não conhece, ele é o responsável pelo filme de 2010 O Segredo dos Seus Olhos, ganhador do Oscar. Ironicamente, ele já disse não ser um fanático pelo esporte. Não dá para perceber. Ele já tinha usado o esporte no filme oscarizado. Volta a usá-lo agora, como pano de fundo para contar uma estória de amizade, coletividade e superação.

A trilha sonora é o ponto fraco. Encanta com os tangos, decepciona com os pseudo-dances. Como é um filme para a garotada, acho que esse detalhe vai passar despercibido pela maioria. Eu me incomodei.

O enredo não é dos mais complexos. Amadeo é um garoto tímido, mas que tem um talento único: é craque no pebolim. Um dia, vence o garoto mais metido da cidade, chamado Grosso. Tempos, o menino do nariz empinado volta para a cidade, como craque de futebol (o futebol, no caso, o real). E quer se vingar de Amadeo em sua praia: uma digna pelada, com profissionais de um lado e amadores do outro.

E é aí que Campanella, o diretor do Oscar, se encontra com o futebol de várzea. A escalação do time que defende a honra de Amadeo e do vilarejo é varzeana de raiz, com vendedores, velhinhos, um nerd, um padre e até uma velhinha disfarçada de homem.

É o clichê do bem contra o mal, oprimidos contra opressores. Mas o jeito como essa fácul é contada impressiona. Esteticamente, é uma das grandes animações já feitas – não à toa é um dos filmes mais caros do cinema argentino. Os traços lembram fim dos anos 80, com cores carregadas e cheias de estilo. Alguns lances do jogo, é verdade, caem no estilo videogame, uma coisa meio PS3 e Fifa. Mas também existem os trechos neo-Toy Story, já que os brinquedos ganham vida. Os bonecos do pebolim ajudam Amadeo a superar seu inimigo.

E os detalhes impressionam. A mesa de pebolim de Amadeo é velha – ainda mais no momento em que a história é contada, de Amadeo para seu filho. As cores meio desgastadas e as falhas na tinta dos bonecos estão lá, perfeitas no filme, com direito a arranhões e desgaste do tempo. E o melhor: são bonecos com rosto, diferentes dos totós de hoje em dia, massas disformes que só com muita criatividade ganham contornos humanos.

Em campo, esse bonecos parecem inspirados em ídolos reais das décadas de 70 e 80.  Quem tem mais de 30 anos pode viajar, reconhecendo características de Passarella, Ardiles,  Burruchaga, Valderrama, Kempes, Leopoldo Luque, Falcão…

Como não podia deixar de ser, podemos ver algumas críticas no filme. O mais evidente é a recusa em aceitar o mundo capitalista do futebol atual, que aceita jogadores mimados, empresários gananciosos, televisão cada vez mais influente e estádios moderníssimos que destroem a paisagem das cidades. É um filme que discute até que ponto a tecnologia ajuda ou acaba com o futebol puro, simples e divertido. E aí? Poderia ser mais várzea do que isso?

Marcelo S. Costa, do jornal É Nosso (com algumas mudanças de Bruno Doro)


Índio e futebol: em sede da Copa, jovens índios sonham com seleção
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Até hoje, membros das várias nações indígenas que fazem parte da população nativa do Brasil sonham em ver um representante vestindo a camisa amarela da seleção. O caminho para que isso se torne realidade, porém, já está sendo traçado. E passa por um dos maiores campeonatos de futebol amador do mundo.

O Peladão, de Manaus, reúne mais de 1000 equipes de futebol de várzea, entre elas, algumas de origem indígena. Todas elas jogam em sua própria categoria. Nesta temporada, a final dos índios reuniu as tribos Sateré Mawé e Munduruku. Mais do que o placar (3 a 1 para os Saterá Mawé), o sucesso do torneio é medido pelo resultado social.

Quando a categoria indígena foi criada, o objetivo era reunir 20 mil índios de várias etnias que deixaram a floresta para morar em Manaus – para quem achou o número alto, saiba a população da capital amazônica tem dois milhões de habitantes. Ainda não chegou lá. Mas o clima amistoso da final, disputada em um gramado perto da Universidade Federal do Amazonas, foi um marco.

Sem arquibancada, uma centena de torcedores, parentes e amigos dos jogadores, se amontoam em pé ao redor do campo. Outros preferem fazer piqueniques na grama. É temporada de uma iguaria local, a tanajura, uma grande formiga negra que os índios comem viva, após arrancarem a cabeça com os dentes.

Os índios bebem também uma água misturada com farinha de mandioca que eles compartilham numa cuia em formato de colher. “Tem uma lado espiritual, é para se fortalecer”, explicou Jayme Dyacara, de 39 anos, oriundo de Rio Negro.

Força, aliás, é o que eles precisam. Muitos dos finalistas têm o mesmo dos outros garotos brasileiros: ser jogador de futebol. E enfrentam ainda mais dificuldades que os garotos da cidade. “Os Índios são muito pobres e não têm patrocínio”, lamenta o jovem Daniel Munduruku, de 22 anos, que exibe uma cabeleira vermelha no estilo moicano de Neymar. “Mas todos sonham com a seleção”, completa.

“É um dia de diversão para os índios. Eles precisam de visibilidade e de ocasiões para mostrar seu valor”, disse Arnaldo Santos, coordenador do Peladão.

O campeonato todo, aliás, é uma grande oportunidade para ser visto. O formato para isso ajuda. O Peladão é um campeonato sui generis por seu formato e pelas características do Amazonas. Gigantesco, o estado exige logísticas complicadas para viajar de cidade em cidade- às vezes, são necessários dias de barco para se jogar uma partida.

rainha da beleza

Muito mais incomum, porém, é a regra das rainhas da beleza. A categoria principal reúne homens de 16 e 39 anos, com 500 equipes participantes. Cada uma delas é representada por uma rainha, que exerce um papel crucial: quem é eliminado dentro de campo pode voltar à competição caso sua Miss vire a “Rainha do Peladão”.

Na edição 2013, as 12 finalistas estão confinadas num barco ancorado sobre o rio Amazonas. Elas participam de um programa da televisão local e aguardam o anúncio da vencedora, decidida por um juri de especialistas.

A categoria indígena (também são disputados um Peladão juvenil e um feminino, completando quatro categorias)  também tem sua rainha – mas sem o poder de interferir no resultado da competição.

Neste ano, cinco candidatas se enfeitaram com penas e pinturas corporais na floresta. Em fila, se apresentaram para os jurados e o público. “Não é só a beleza que conta. Aqui, mostramos também nossa cultura, nossas tradições, nossos desenhos corporais e o que representam”, explicou o antropólogo indígena João Paulo Tucano.

A vencedora foi Suellen, uma jovem de 18 anos da etnia Dessano, que usa como pendente um dente de onça, símbolo de força. “É a segunda vez que eu ganho. Agora, sonho em me tornar atriz”, admite a jovem.

Por Bruno Doro, com texto da AFP


O dia em que um time de várzea levantou a taça no Morumbi
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Em 2012, a Copa Kaiser marcou história com uma finalíssima no tradicional estádio Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu. Na ocasião, o Ajax da Vila Rica, zona leste, conquistou o título sobre o Turma do Baffô do Jardim Clímax, da zona sul.

No entanto, outro time da várzea teve a honra de conquistar um título num verdadeiro representante de palcos de futebol. Era 3 de dezembro de 1968, há 45 anos, quando o Arco Futebol Clube, do Jardim Consórcio, entrou no estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi, para se consagrar campeão do Torneio Grande São Paulo Delfin SEME Pop.

Do outro lado, a forte equipe do Vila Carioca. Para o atual presidente do Arco, Júlio Carlos (ou  simplesmente Julião), a final foi uma das mais importantes da história do time – e das mais difíceis. “Mantivemos nossa base no elenco, mas o Vila Carioca havia trazido jogadores de fora, ex-profissionais, para atuar”, contou.

Julião estava na arquibancada do Morumbi naquela ocasião e viu time da zona sul de São Paulo entrar com Birunga no gol, Serginho, Chico, Gê e Pelé na defesa, Paio, Wilson, Lula e Joel no meio-campo, e Zeca e Carlinhos no ataque.

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O Vila Carioca entrou de salto alto naquele jogo. Além disso, outro fator dificultou a vida do Arco naquele jogo. “Fazíamos as preliminares de São Paulo e Marília e a torcida tricolor já tomava as arquibancadas. Quando viram que nosso uniforme azul era das cores do Marília, toda a torcida passou a torcer contra”, lembra Julião.

Mas Lula fez o primeiro gol ainda na etapa inicial abrindo o placar daquela que seria a final mais importante para o bairro Jardim Consórcio. Mesmo com jogo pegado e difícil, o mesmo Lula marcou mais um no segundo tempo. O 2 a 0 garantiu o resultado para o título da competição pelo Arco.

Ao fim, o Arco venceu o então troféu “Popular da Tarde”, nome do jornal da época que cobriu a competição. Além de um lindo troféu, o Arco ganhou a quantia de 20 mil cruzeiros. Com o passar do tempo, infelizmente o troféu foi perdido e nunca mais recuperado. Mas valem as lembranças e prestígio que ficaram dessa grande conquista: poder ser campeão de várzea dentro do Morumbi.

Por Diego Viñas


Destaque da Ponte foi revelado em campo de terra atrás de cemitério em SP
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Você pode nunca ter ouvido falar do Noroeste da Vila Formosa e nem mesmo imaginar que, atrás do cemitério do bairro, três campos ainda são o centro nervoso do futebol amador da região. Mesmo assim, provavelmente conhece um jogador que foi criado naqueles campos de terra e pode, nesta quarta-feira, chegar à final da Copa Sul-Americana.

O atacante Rildo, da Ponte Preta, é a última das revelações tardias do futebol de várzea paulistano. E, como muitos antes dele, sofreu um bocado para chegar ao local em que está atualmente. Até os 19 anos ele ainda jogava na várzea. Para sua sorte, não era em qualquer time.

O Noroeste é dono de uma das torcidas mais fanáticas do futebol amador paulistano. Em jogos importantes, quatro mil pessoas podem descer da comunidade carente onde fica a sede do time para ver a bola rolando em um dos três campos vizinhos ao cemitério da Vila Formosa, um dos maiores da zona leste de São Paulo. No local ficam o Americano, o Flor e o União.

Quando era criança, Rildo era um desses torcedores. Quando o Noroeste jogava, ele estava na beira do alambrado, vibrando. Na adolescência, a história mudou. Unindo velocidade, força e habilidade no drible, ele logo se destacou nas escolinhas do clube. Não demorou muito e ele era um dos destaques do time. Jogou por lá até os 19 anos. Em 2008, ele estava jogando bem na Copa Kaiser, o principal torneio de futebol amador de São Paulo. Fez cinco gols na temporada e só não foi o artilheiro da equipe porque não atuava em todas as rodadas.

“Naquela época, eu estava fazendo muitos testes. Jogava uma partida, duas, e ia viajar”, lembra. Em um dos jogos, a sorte mudou. O empresário Pitico, que trabalha no futebol há 20 anos, resolveu dar uma olhada no jovem atacante. Foi até o campo do Nacional, na Comendador Souza, para observar Rildo. E gostou do que viu

“Depois do jogo, ele veio conversar comigo e logo nos acertamos. Fui primeiro para o Fernandópolis, depois para a Ferroviária. Ajudei no acesso à segunda divisão e então apareceu o Vitória”, conta Rildo. A revelação dos terrões logo conquistou a torcida e virou xodó. Mas um problema acabou marcando sua passagem.

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Em 2011, poucos meses depois de chegar à Bahia, levou um cartão amarelo no duelo contra o Boa, pela Série B do Brasileirão. Revoltado, tentou chutar o árbitro da partida, Claudio Francisco Lima e Silva. Foi expulso e ainda levou um gancho do STJD: ficou três meses suspenso. Em sua volta ao futebol, o brilho em campo não diminuiu. Mas a fama o perseguia. Tanto que, em 2012, ele chegou a ser indicado pelo técnico Muricy Ramalho para o Santos. Mas a contratação foi descartada pelo histórico.

No meio do ano passado, porém, a Ponte resolveu apostar no brigão. Não foi um casamento que deu certo desde o início. Quando Guto Ferreira era o técnico, o atacante teve algumas chances, mas não chegou a se firmar como titular. Foi bem com Paulo Cesar Carpegiani, com quem já tinha trabalhado no Vitória. Mas foi com Jorginho – com quem ele, inclusive, discutiu em um treino – que ele conquistou a vaga no time titular.

No Brasileirão, a campanha ruim da Ponte não permitiu que o atacante se destacasse. Na Copa Sul-Americana, porém, o estilo driblador fez sucesso. Contra o Velez, na histórica vitória por 2 a 0 na Argentina, foi dele a jogada do primeiro gol. Contra o São Paulo, no Morumbi, ele começou o gol de empate na vitória por 3 a 1 (e infernizou a vida de Paulo Miranda, o responsável por sua marcação).

Por Bruno Doro


Torcida briga, motorista do busão foge e varzeanos andam 30km. Será?
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Papo de Várzea

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Final de campeonato no futebol de várzea é mais ou menos assim: dois times fortes que se preparam para um verdadeiro duelo dentro de campo, mas fora das quatro linhas, são dois bairros que querem fazer mais bonito na festa. O resultado disso costuma ser um jogo pegado, de clima quente para todos os lados.

Foi assim numa épica decisão em 1990, da Copa Seme, famosa competição municipal organizada em São Paulo e realizada nada menos do que no estádio Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu. De um lado, veio o pessoal do Drogalume, time de Guarulhos. Do outro, o Jardim Verônia, time de Ermelino Matarazzo, zona leste – que, aliás, completa 51 anos de futebol de várzea neste dia 26 de novembro.

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Um dos diretores do Jardim Verônia é o projetista Ronaldo Costa, de 33 anos. Ele esteve nessa partida. “Lembro como se fosse ontem. Fomos em cinco ônibus, atravessamos a cidade para essa final”, conta.

Durante a partida, o clima esquentava cada vez mais. “O Verônia estava perdendo e a torcida dos caras começou a zoar. A nossa bateria foi pra cima da torcida dos caras, jogando os surdos, as caixas, enfim… o pau comeu!”.

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Não bastasse a derrota em campo, a perda de título e o descontrole da torcida, o pessoal do Verônia ainda teve de ver os motoristas dos cinco ônibus fugirem. O motivo? Medo da confusão… Foram embora com os ônibus, para o desespero dos jogadores, diretores e torcedores. E agora? Como voltar do Pacaembu até Ermelino Matarazzo, ao longo de cerca de 30 quilômetros, para chegar em casa?

“Nosso presidente enquadrou uma carreta e um ônibus na Marginal do Tietê e fez os motoristas levarem muita gente de volta”, garantiu Ronaldo. Mesmo assim, lembra o diretor, muita gente se virou como conseguiu. Alguns pegaram taxis e não pagaram. E ainda há quem diga que teve gente que voltou a pé. Será?

Por Diego Viñas

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À sombra do Itaquerão, campos na Cohab aguardam lembrança do poder público
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O Itaquerão é a face bonita do bairro. O estádio moderno já atrai investimentos ao bairro onde está localizado e fez o mercado imobiliário disparar. Mas, à sombra dos guindastes, dois campos bem mais modestos ainda aguardam pelo momento em que serão lembrados pelo poder público.

Os dois terrões estão incrustado entre prédios da Cohab, conjuntos habitacionais que nasceram nos anos 80 para urbanizar a região. E são motivo de orgulho para quem mora por lá. É só perguntar nas ruas. “Onde fica o campo do Negritude?” O rosto do morador logo se abre em um sorriso, para a resposta sincera: “É lá embaixo, perto da Igreja”.

A infraestrutura, porém, poderia ser melhor. Enquanto outros campos da região, com uso muito mais modesto, já ganharam grama sintética, novos vestiários, alambrados e até iluminação, os dois campos da Cohab sofrem. A cada chuva o terrão vira lama e quem joga tem de driblar não só o rival, mas o barro.

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Foi assim neste domingo. Com um duelo decisivo pela Copa Ives Ota, Jardim Verônia, de Ermelino Matyarazzo, e Coroado, de Guaianases, encontraram o campo em condições difíceis. O jogo terminou 1 a 1, com direito a escorregões, trombadas e divididas bruscas, que resultaram em brigas e expulsões. Bom para o Coroado, que se classificou. Ruim para o público, que viu um jogo de muito mais vontade do que qualidade.

Mas também um resultado na demora do poder público em cumprir as promessas. Quando as obras do Itaquerão começaram, engenheiros da Odebrecht foram até lá, mediram o campo. Segundo as pessoas que cuidam do espaço, as reformas no equipamento público estão previstas nas contrapartidas da construtora para a construção do estádio.

O Papo de Várzea não procurou a Odebrecht para confirmar a informação. Mas sabe que muita gente, vereadores, inclusive, já prometeu melhorar o espaço. Esperamos que a reforma aconteça logo. Até lá, os 15 times da região que usam os campos seguem aguardando. E usando os dois terrões da melhor forma.

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A Copa Negritude, criada em 1999, é uma das mais tradicionais da cidade. A Copa Ives Ota, que está sendo realizada atualmente, também está agradando. E sempre é bom lembrar: são em terrões como o dos campos da Cohab em que os futuros craques dão seus primeiros chutes. Já passaram por lá nomes como o goleiro Ronaldo (ex-Corinthians), o atacante Dodô (ex-São Paulo), o lateral Kléber (hoje no Inter)…

Por Bruno Doro