Papo de Varzea

Artilheiro do amor: jogador desiste de contrato milionário por não poder namorar
Comentários Comente

UOL Esporte

Já resgatamos uma matéria nesta semana. Com o precedente aberto, então, vamos a mais uma: esta é mais nova, desse ano, mas vale a pena rever (principalmente agora que o Carlão começou a ficar famoso: apareceu em matéria na Band!)

A história é engraçada e Carlão segue jogando muito. Na última rodada, foi eleito o melhor do jogo na vitória do 1º de Maio sobre o MEC-Maranhão, pela Copa Kaiser.

Após jejum sexual no Omã, atacante arruma namorada e vira artilheiro na várzea

Para se buscar objetivos profissionais e pessoais, muitas vezes é necessário abrir mão de grandes prazeres. Que o diga o atacante Carlão, destaque do 1º de Maio, do Tatuapé, na Copa Kaiser. De olho em um bom contrato no Al Seeb, de Omã, há dois anos, ele deixou o Villa Rubia, da terceira divisão espanhola, e foi se aventurar no rígido país da Península Arábica. Dentro de campo, o brasileiro fez gols e teve um bom desempenho. Mas o problema era fora das quatro linhas. Por ser estrangeiro, ele teve de viver um forçado jejum sexual de oito meses.

''Era impossível conseguir uma mulher para namorar, por causa da cultura religiosa dos muçulmanos. Se você não é árabe, não pode mexer com as mulheres de lá. Eu fiquei na vontade durante os oito meses que joguei lá. Isso acabou fazendo com que eu fosse embora. Eu gosto é de bola na rede'', disse Carlão. ''O bom é que na Árabia, eu ganhei um bom dinheiro. Todos os times são de algum xeque. Eu ganhava premiação se fizesse gol e fiz bastante'', acrescentou ele.

Depois de conseguir fazer um pé de meia, Carlão, que antes havia passado por Itapirense, Oeste, Flamengo de Guarulhos e Taquaritinga, decidiu voltar para o Brasil. Cheio de desejo, reencontrou Priscila, a quem já conhecia há anos. O amor os envolveu, a abstinência sexual chegou ao fim e, pouco depois, nasceu Cauã, filho do casal. Paralelamente, o goleador buscava um time para jogar, pois o dinheiro ganho na Árabia estava indo embora com tantas despesas. Era a hora de tentar a sorte no Vietnã, no An Giang, da cidade de Long Xuyên. Mas, desta vez, com mulher.

''Me levaram para conhecer a estrutura do An Giang. Logo de cara, eu não gostei, porque eles me deram carne de cachorro para comer. E, no restaurante, começaram a passar ratos perto da mesa. Não gostei da cidade, mas fiquei um mês treinando e queriam assinar comigo. Mas não aceitei ficar'', comentou Carlão.

De volta do Vietnã, o veloz atacante acabou indo parar na várzea paulistana. Conhecidos o indicaram para o 1º de Maio, do Tatuapé. Na sua primeira temporada pelo time, em 2012, Carlão marcou três gols em três partidas. Mas a equipe sofreu em uma chave complicada, com os fortes SDX, da Cidade Tiradentes, e Nova Sapopemba, e foi eliminada já na primeira fase.

Neste ano, o time está brilhando. Já está na quinta fase, com grandes chances de classificação para as oitavas de final (afinal, venceu em sua estreia na Etapa 5).

Vivendo um belo momento, Carlão está feliz na várzea. Entretanto, ele espera que a visibilidade que está conquistando na Copa Kaiser possa o ajudar a despertar o interesse de um time profissional. ''Eu estou com 27 anos e tenho até experiência internacional. Espero que vejam meu futebol. Vamos ver se aparece uma nova oportunidade'', disse o atleta.

 


Voz do Terrão: Tropicália, do Itaim Paulista, chega aos 22 anos buscando integração de garotos ao esporte
Comentários Comente

UOL Esporte

Bom dia amigos do Papo de Várzea,
Sou presidente da Sociedade Esportiva Tropicália, fundada em 20 de outubro de 1991. Sou fã do blog e sempre vivi na várzea. Joguei durante 20 anos, sempre com muito amor ao esporte. Hoje em dia, como presidente, busco a inserção da molecada no futebol. Somos de um bairro pobre da Periferia, o Itaim Paulista, onde há poucas opções para a molecada. O futebol acaba sendo uma excelente oportunidade de lazer e saúde. Conseguimos, com esse trabalho, tirar alguns jovens do mundo das drogas.

Somos membros do CDC Jardim Noêmia, um dos melhores campos da zona leste. O local passou por uma grande reforma entre 2011 e 2012. Hoje, o CDC possui um campo com gramado sintético, iluminação, uma quadra poliesportiva coberta, além de vestiários de primeira qualidade.

Agradeço o espaço e, desde já, em nome do Tropicália, convidamos os amigos do Papo de Várzea para comparecer à Festa de Aniversário do nosso humilde time, marcada para 20 de outubro de  2013, a partir de 10h30, no CDC Jardim Noêmia, no Itaim Paulista.

São 22 anos de história na várzea, e se não temos grandes títulos para comemorar, temos um grande orgulho de ter formado homens.

Alexandre Garcia é presidente do Tropicália

Este é o “Voz do Terrão”. É o espaço que o Papo de Várzea oferece para que você conte a história do jogo que assistiu no fim de se semana. Você quer participar? Mande o relato pelo e-mail papodevarzea@gmail.com


Em Heliópolis, 190 mil pessoas e mais de 40 times dividem um só campo de futebol
Comentários 1

UOL Esporte

Na semana passada, recebi uma ligação que me deixou muito contente. O Fábio José da Silva, líder comunitário de Heliópolis, estava comemorando uma conquista grande do esporte naquela que já foi a maior favela da América Latina. Em dois meses, a escolinha de futebol que criou já está atendendo quase 200 crianças na quadra da Unas.

Lembrei, então, de uma das reportagens que o UOL Esporte fez no ano passado, em Heliópolis. Em uma tarde, vivemos um pouco a realidade de Heliópolis para constatar a importância do futebol na vida de quem vive por lá. Leia. Vale a pena:

Em Heliópolis, 190 mil pessoas e mais de 40 times dividem um só campo

Quem nunca andou pelas ruas da comunidade de Heliópolis se surpreende com a importância que o futebol exerce na comunidade. As ruas estreitas abrigam, a cada esquina, um time de futebol diferente. Os nomes vão desde homenagens a novelas, como o Cantareira, até a turma de amigos que se reuniam para tomar umas e outras, como o Bafômetro.

São mais de 40 equipes estruturadas dentro da comunidade, com sede própria e estatuto. Mas, apesar do tamanho de Heliópolis, na área da maior favela de São Paulo só existe um campo de futebol para atender às necessidades esportivas de mais de 190 mil moradores.

“Campo mesmo, só temos um. Temos algumas quadras, mas todas pequenas. O campo original era na área onde hoje ergueram o hospital. Fizemos um acordo para construir no terreno, mas até agora não temos oficializado que esse local é da comunidade. Por isso, consideramos o campo como área invadida”, explica Edson Arthur da Silva, diretor do Cantareira.

O terreno fica ao lado do Complexo Hospitalar de Heliópolis. É administrado pela Associação Heliópolis Social e Lazer, entidade que une alguns dos principais times da comunidade. A infraestrutura é doada pelo hospital: uma torneira para os atletas e ligações de eletricidade improvisadas nas salas de administração e zeladoria.

“O problema do campo é só um reflexo dos problemas gerais de Heliópolis. Hoje, nossa principal reivindicação é justamente a regularização fundiária. Você pode ter uma casa, mas não tem os papéis. Então, oficialmente, é uma invasão. Hoje, temos agências dos Correios, bancos, consórcios. Mas os terrenos e as casas ainda precisam de regulamentação”, fala Fabio José da Silva, líder comunitário e parte da diretoria do Festpan, um dos times da comunidade.

Apesar da estrutura precária, o campo de futebol invadido exerce duas funções primordiais: o lazer para as crianças e a união entre rivais históricos (e, consequentemente, dos moradores). “As crianças da comunidade não tem muitas opções de lazer. Hoje, temos um trabalho que atinge quase 1000 garotos. Eles estão aprendendo futebol em um momento em que poderiam estar na rua. Estão livres de influências que poderiam ser negativas. Além disso, o futebol é um espaço de união. Esse campo tem dois anos e ajudou muito a unir as pessoas. Antes, a rivalidade era enorme. Hoje, estamos juntos na administração desse espaço. É a prova de que dentro de campo, você luta pela vitória. Mas fora, pode estar junto com seu adversário, se divertindo e tomando uma cerveja como amigo”, explica Luciano Cirino, o Léo, da equipe do Bafômetro.

A rivalidade a que Léo se refere teve um episódio marcante há cerca de dois anos. Cantareira e Bafômetro são os dois times de maior sucesso na Copa Kaiser, o principal torneio do futebol amador de São Paulo – em 2012, o Cantareira ficou entre os dez melhores do torneio e, em 2013, o Bafômetro tem chance de igualar o feito. Atualmente, nove times de Heliópolis disputam o campeonato. A dupla teve a companhia, neste ano, de Festpan e Ressaca na Série A e de Metalúrgico, São Francisco, Galo de Ouro, Garotos da União e Paraíba na Série B. O Ratatá, uma das equipes mais conhecida da região, disputava o torneio, mas está suspenso por motivos disciplinares.

Nesse cenário, no programa “A Liga”, da Bandeirantes, ainda em 2011, Edson chamou o Bafômetro de “inimigos”. “Foi uma das maiores besteiras que fiz. Chamei os caras de inimigos e depois tive que consertar. No fim das contas, acabou sendo bom. Foi a oportunidade de sentar, aparar as arestas e garantir que a rivalidade ficasse só no campo. O futebol é um caminho muito bom para agregar as pessoas, para atrair incentivos para ajudar a comunidade. Hoje, o futebol de Heliópolis está fazendo isso”, fala Edson.

E o campo é uma das maiores provas de como o futebol está trabalhando ao lado das lideranças comunitárias para trazer benfeitorias para Heliópolis. Em 2012, aos fins de semana, foi realizada a Copa Heliópolis, com os 12 principais times da favela. E, graças à união entre as equipes, uma empresa de telefonia patrocinou o campeonato.

Os times, porém, não usam o terrão só para seus jogos. O Social, por exemplo, tinha, em 2012, um projeto para as crianças (parecido com aquele de Fábio, mas no lugar da quadra da Unas, o campo da comunidade). “Temos cerca de 50 alunos na nossa escolinha, com crianças de 7 a 16 anos. Nosso objetivo é trazer essa molecada para o esporte, tirar da rua. As crianças veem as camisas do time, perguntam. É uma forma de criar uma identidade dentro da comunidade”, afirma o diretor do Social, Natanael Costa, o Pistolinha.

Nesse cenário, não é de se espantar que boa parte das lideranças comunitárias estejam ligadas ao futebol. Edson, do Cantareira, por exemplo, era diretor da Biblioteca comunitária de Heliópolis, da Unas, parte do projeto “Identidade Cultural de Heliópolis”, que conta com o auxílio de Ruy Othake. O arquiteto, entre outras ações, desenhou os prédios redondos que fazem parte do plano de reurbanização da favela e os edifícios do Polo Cultural, que reúne cinema, teatro e oferece aulas esportivas e culturais para crianças. “Aos poucos, as pessoas estão percebendo a força que Heliópolis tem. E o futebol faz parte dessa força. Os times só recebem da comunidade. E estão percebendo que também podem fazer muito. No Cantareira, por exemplo, vamos fazer uma partida para arrecadar livros para a biblioteca. São ações simples, mas que ajudam. O futebol pode ajudar”, diz Edson.

Também do Cantareira, Emerson Santana, o Macarrão, trabalha no Conselho Tutelar, também é líder comunitário e resume o papel do futebol em Heliópolis. “É o local onde você se encontra com seus amigos. Onde as crianças ainda têm sonhos, ainda sonham em virar estrelas do futebol. Traz um elemento de autoestima que ajuda muito a quem mora aqui”.

Magrão: Craque de Heliópolis

O volante Magrão, revelado pelo São Caetano e com passagens por Palmeiras, Corinthians e Internacional, é um dos craques de Heliópolis. Ele deixou a comunidade pelo futebol profissional e até hoje, quando volta ao país, passa por Heliópolis para rever os amigos dos tempos de infância. Hoje no Al-Whada, o volante se identifica muito com o futebol de várzea da comunidade onde cresceu e se identifica com o Ratata, time que já jogou a Copa Kaiser, mas hoje está suspenso por problemas disciplinares.


“Vacilamos quando não podíamos”, diz técnico do Ajax, eliminado com 80% de aproveitamento
Comentários 1

UOL Esporte

Se você acompanha a Copa Kaiser, a essa altura já sabe que o Ajax, da Vila Rica, atual campeão, foi eliminado. Mas o que deu errado? Olhando para os números, é difícil encontrar culpados. Foram 12 jogos, com oito vitórias e quatro empates. O time acabou fora do torneio sem ter perdido nenhum jogo. O aproveitamento é próximo de 80%, números que dariam orgulho a qualquer pessoa.

O Papo de Várzea conversou com o técnico do time, Robson Melo, para avaliar a campanha. E a resposta foi sincera: “O grande problema foi que vacilamos três vezes seguidas. E justamente quando não podíamos errar. Empatamos três vezes na mesma fase. Se tivessem sido um empate em uma fase e dois empates na outra, mesmo com esses resultados seguidos, não teríamos sido eliminados”, lamenta.

Só para situar quem não acompanhou: a eliminação veio na Etapa 4, após empates contra 1º de Maio/Tatuapé (1×1), SDX/Cidade Tiradentes (1×1) e Coroado/Guaianases (0x0). Antes dessa série, a equipe vinha de oito vitórias em nove jogos. “O time estava jogando muito bem. Marcando muito, chegando rápido ao ataque, surpreendendo. Saímos sem perder um jogo. Com um aproveitamento que poucos vão ter na história da Kaiser. Foi uma infelicidade grande”.

 

Quem acompanha futebol sabe: em um torneio longo, é impossível passar todas as rodadas em alta. Olhe o Campeonato Brasileiro para ver isso. Fases boas e ruins se alternam e o time que consegue lidar melhor com essas variações é o que termina com o título. O formato de disputa da Copa Kaiser, porém, é muito mais cruel.

Com quase nove meses de duração, é um campeonato dividido em fases de três jogos cada. Quem quer ser campeão precisa estar sempre na ponta dos cascos. Some a isso o fato de envolver atletas amadores, que além do físico, ainda precisam se preocupar em como vão ganhar a vida e você tem um desafio enorme para motivar um grupo de atletas durante a competição.

No caso do Ajax, existia, ainda, um outro agravante: nenhum time da várzea era tão conhecido. O time, que conta com uma das torcidas mais fanáticas da cidade, entrava em campo sempre sob a lupa, com “olheiros” de todos os rivais buscando pontos fortes para anular e fracos para explorar. “Era nítido quando a gente entrava em campo. Todo mundo joga com mais vontade contra o Ajax. Isso já acontecia antes do título. Depois do título, isso aumentou”.

O comando do Ajax até tentou criar surpresas. Trouxe o meia Nenê, um dos destaques da Copa Kaiser no ano passado (foi finalista com a Turma do Baffô/Jardim Clímax) e renovou o banco – quase todos os atletas foram trocados. E manteve a base forte que tinha sido campeã. Incluindo, aí, a manutenção do nigeriano Daniel Eze, artilheiro do time com quatro gols, que no ano passado jogou pouco, com uma lesão no joelho. Mas nem mesmo isso evitou uma oscilação do time em um momento chave do torneio.

Como sempre acontece no futebol, as mudanças não demoraram. Na semana em que foi eliminado, o técnico Robson já confirmava que estava fora do time. “Meu ciclo no Ajax terminou. Foram dois anos aqui. No ano passado, fomos abençoados com o título. Nesse ano, outro time será abençoado. É bom para a várzea”.

Aos 35 anos, porém, ele tem muito futuro. Em 2012, ele era auxiliar-técnico de Ajax. O titular era Tukinha, ex-jogador, lenda do próprio Ajax. Tukinha era quem botava a cara, ficava na linha lateral, era o alvo da torcida. Robson era o homem dos bastidores, analisava os adversários taticamente e, para muitos, era o responsável pelo bom futebol do time. Virou técnico nesse ano. E segue invicto. No ano que vem, certamente estará em outra equipe, valorizado pela campanha.

No Ajax, a busca por um novo comandante está praticamente definida. Algumas pessoas contaram ao blog que o nome deve sair da Série B da própria Kaiser.


Máquina niveladora, irmão marrento, caçula “traíra”: no Dia dos Pais, histórias de uma família de varzeanos
Comentários Comente

UOL Esporte

O pai se chama Sérgio Raimundo Rosa. Foi zagueiro. E dos bons. Marcava duro, mas tinha classe no passe. Era preciso, tinha uma visão de jogo privilegiada. Quando precisavam, quebrava galho como volante. Ou melhor. Quebra-galho é para quem faz a função sem qualidade. Seu Sérgio, não. Era um beque dos bons. E como volante, também brilhada.

Quando entrava em campo, era chamado de Máquina Niveladora. Sim, é um apelido estranho. Mas pense um pouco e é fácil entender o motivo. Era só escalá-lo que ele acertava o time. Se a defesa estava capenga, ele equilibrava. Se o meio-campo deixava buracos, ele tapava. Entendeu, agora, a função da máquina?

Um pena, mas ele não chegou ao profissional. Atuou por times amadores da Aclimação, como o Flamengo e o República. Mas passou seu talento no sangue. Teve dois jogadores. Uma verdadeira família varzeana.

Irmão marrento

Luciano é o mais velho. É marrento. O pai era destro. Ele e o irmão são canhotos. Ao ser perguntado sobre a perna esquerda do caçula, é rápido ao responder. “Herdou essa canhotinha de mim. Eu sou o mais velho. Não vou dar moral para moleque, não”.

Tem 34 anos e deixou o futebol profissional no ano passado. Teve uma trajetória sólida, mas nunca teve uma chance de brilhar em um grande clube. Nas divisões de base, passou por Portuguesa e Corinthians. Quando virou profissional, chegou a jogar em Portugal. Mas fez carreira, mesmo, no interior de Minas Gerais. Foi jogador do Esportivo Possense por seis anos.

Em 2012, passou sete meses lesionado. Ainda tentou voltar, defendeu um time de profissionais em amistosos nos EUA, mas desistiu. “A saída era ir para o interior. Tinha propostas. Mas sabe como é. Você chega ao clube, recebe no primeiro mês. No segundo, também. A partir do terceiro, começa a faltar. Desisti”.

Ficou na várzea. Hoje, joga no Bafômetro, um dos times da comunidade de Heliópolis. O local já foi a maior favela da América Latina. Hoje, está em acelerado processo de urbanização e respira futebol, com um time a cada esquina. Luciano gostou da equipe. Uma família, como ele chama. “Não pagamos ninguém. No máximo, tem ajuda no combustível”.

Nem por isso a pressão diminui. A torcida cobra mesmo. Chega no vestiário, reclama da atuação. Mas quando joga bem, aplaude, grita. E quando precisa, ajuda: é só um atleta do time chegar à comunidade e relatar um problema que todos se desdobram para encontrar uma solução. “É a diferença do futebol de várzea para o profissional. A torcida vive mais o time”.

Caçula ''traíra''

O caçula se chama Júnior. O traíra, que dá título a esse post, vai irritar o jogador. Mas foi dito pelo próprio irmão: vem de uma partida que jogou contra Luciano pela Copa Kaiser. Ele é lateral do Pioneer, da Vila Guacuri, um dos times mais bem estruturados da várzea de São Paulo. Encarou o Bafômetro, de Luciano, em uma fase anterior. Venceu por 2 a 0. Nos gols e nas pancadas. “Ele me deu dois pontapés. Quando terminou o jogo, quase fui para cima. Ele foi traíra. Bateu por trás”, diverte-se Luciano. “Eu já estou com 34. Ele tem 25. Não vai bater nos mais velhos de novo”.

Em defesa de Júnior, a altura ajudou. Ele é quase dez centímetros mais alto do que Luciano. Bater, então, pode ser uma questão de ponto de vista. Quem o viu em campo, porém, pode se perguntar o que ele faz na várzea. É por opção. E a história é a mesma de muitos craques do terrão: empresário acha jovem talentoso, leva o garoto para o clube e, depois, cobra um valor alto à família para que siga no clube. Ele passou algumas vezes por isso. Jogou no interior de São Paulo. No Mato Grosso. Em Santa Catarina. “Pediam cinco mil aqui. Ali, eram cinco mil. Mais alguns dias e eram mais dois mil para ficar. Não dá”, revela Júnior.

Mesmo assim, chegou a ser profissional. Passou alguns meses no União São João, de Araras. Depois, veio para o São Paulo – onde chegou, como ele mesmo faz questão de ressaltar, sem indicação, na cara e coragem, e só não ficou por não ter empresário. Depois, rodou. No fim do ano passado, estava no Santa Catarina Clube. Voltou para São Paulo e sossegou.

Mas não ficou longe do futebol. “Meu dom é o futebol. Hoje, mesmo no amador, eu estou ganhando a vida. Jogo aos fins de semana. Durante a semana, faço bicos”. Geralmente, ajuda o irmão a entregar tecidos. O importante, porém, é o que ele faz com a bola nos pés.

Duelo no próximo domingo

Por que estamos falando da dupla? É uma pergunta justa. Bom, no próximo fim de semana, às 11h30, a Copa Kaiser marcou uma partida especial para os Rosa. Bafômetro e Pioneer vão se enfrentar no campo do Nacional, na Barra Funda, um dos palcos nobres do futebol amador de São Paulo.

Esse duelo podia estar marcado para este domingo. Seria a desculpa perfeita para um texto como esse. Mas, pense bem. O pai é a máquina niveladora, mas um filho é marrento e o outro, traíra (no bom sentido, que fique claro). Tudo bem, então, que eles se enfrentem sete dias depois do Dia dos Pais. Afinal, isso é várzea. E a várzea é bonita justamente por não tentar ser perfeita.

Copa Kaiser 2013

Copa Kaiser 2013


Na várzea, mulheres fazem sucesso e ignoram cantadas: “Peço número da camisa, dão telefone”
Comentários 4

UOL Esporte

Mesária, técnica, cartola. Pense em uma atividade relacionada ao futebol de várzea e, certamente, vai encontrar uma mulher exercendo a função. Em um ambiente masculino por excelência, a mulherada está conquistando seu espaço, ignorando cantadas e brincadeiras.

O Papo de Várzea conheceu algumas dessas pioneiras e ouviu histórias de vida inspiradoras, como a das mulheres do Botafogo do Jaçanã e da vice-presidente do Santos do Jardim das Oliveiras, Isabel Varotto. E engraçadas, como a da mesária Dayane Tavares e da técnica Bruna Moreno.

“Passam o telefone no lugar do número da camisa”

Para começar, a história de Dayane. Formada no curso da Associação de Árbitros da Grande São Paulo, ela trabalha como mesária há anos. Começou quase por acaso. “Eu sempre gostei de futebol, mas jamais imaginei que um dia trabalharia com isso. Eu e o William tínhamos começado a namorar há pouco tempo quando fomos a um jogo dele, que é árbitro. O mesário faltou e ele me pediu para fazer a mesa, já que não tinha mais ninguém disponível. Fiquei insegura, mas deu tudo certo. Não parei mais”, lembra.

A decisão de seguir no futebol deixou os dois ainda mais próximos, graças ao calendário puxado que árbitros do futebol amador levam. Eles trabalham de domingo a domingo, comandando cinco, seis jogos por dia. “Eu brinco que árbitro não tem vida social. É só jogo, jogo, jogo… Como, no início do namoro, trabalhávamos em lugares diferentes, não dava tempo de ficar junto. Foi quando percebi que o jeito era ir para o campo, mesmo. Uni o útil ao agradável”.

O que não deve ser muito agradável são as cantadas que, inevitavelmente, aparecem quando uma mulher entra em um mundo masculino. Dayane, porém, tira de letra. “Tem isso em qualquer lugar, inclusive no campo. Afinal, só tem homem. Mas não falta respeito. O número de mulheres está crescendo, mas ainda são poucas na várzea. Então, quando o jogador me vê, faz brincadeira. É normal, por exemplo, passar o número do telefone no lugar do número da camisa. Mas é fácil lidar com essa situação. Eu sou muito séria e eles percebem logo”, conta.

Artilheiro coloca irmã no banco para poder jogar

Outra história inusitada é de Bruna Luise Moreno. Varzeana por influência familiar, ela é uma frequentadora assídua das partidas do time do seu irmão, o atacante Tom. Em um domingo, ela foi praticamente obrigada pelo irmão a entrar em campo. Ou melhor: a ficar no banco de reservas.

Em um jogo pela Copa Kaiser, o técnico do Inter Biricutico, do Jardim São Luiz, avisou que iria faltar. Seu substituto natural seria Tom, atacante e artilheiro do time. E irmão de Bruna. O jogo, porém, era importante demais para o goleador ficasse no banco. Foi aí que alguém deu a ideia: “Porque não colocar a Bruna como técnica?”

Parecia uma maluquice, mas era só pensar no assunto para encontrar motivos para fazer a aposta. Ela conhecia o time, gostava de futebol e, imprescindível, estaria em campo no dia do jogo. Estava decidido. Bruna aceitou virar técnica por um jogo e não fez feio. O Inter venceu a Mocidade Cabuçu, do Jardim Maria Estela, por 1 a 0. E quem marcou o gol da vitória? Tom.

“Os jogadores são amigos e eu não tive problemas. É claro que o Tom estava sempre de olho, antes do jogo a gente discutiu o que poderia acontecer e o que eu deveria fazer, mas as decisões foram minhas. Todos respeitaram e atenderam os pedidos que fiz em campo. Foi uma pena ter chovido. Mas quem foi ao Magnólia (local do duelo) viu um bom jogo”, comemora.

Futebol é coisa de família no Botafogo e no Santos

As outras duas histórias envolvem famílias que estão no mundo do futebol há muito tempo. No Botafogo do Jaçanã, o patriarca, Miltinho, fundou o time. Quando ele morreu, sua mulher, dona Fátima, assumiu a presidência e a filha do casal, Eloá, virou técnica.

''Todos na várzea sabem que, no Botafogo do Jaçanã, quem manda são as mulheres. E somos respeitadas por isso. Nós temos orgulho e trabalhamos para que nada falte aos nossos jogadores. Fazemos de tudo para honrar essa camisa que amamos'', afirma Dona Fátima.

A presidenta (como ela gosta de falar do cargo, imitando Dilma Rousseff), apesar de cuidar muito bem dos jogadores, não assiste aos jogos. Para não ficar exaltada, vai ao campo, mas dá um jeito de se distrair e não prestar atenção no que ocorre dentro das quatros linhas. Fica andando por perto. Em um jogo no Flamengo, da Vila Maria, chegou a caminhar na calçada de uma pista lateral da Marginal Tietê.

''Eu fico muito nervosa e não consigo ver o jogo. Fico andando de um lado para o outro e fico muito cansada. Acaba o jogo e estou acabada'', relata. ''É o jeito dela. Minha mãe fica muito tensa e acha melhor assim. Mas, depois do jogo, ela quer saber exatamente o que aconteceu, quem jogou bem, quem foi mal e se o juiz apitou direito'', fala a Eloá.

A treinadora, aliás, é um capítulo à parte. O pai era foi um craque nos tempos de jogador e era lembrado como um bom técnico. E passou o talento para a filha. ''Depois que meu pai morreu, muita gente dizia que a mulherada não ia conseguir tocar o Botafogo. Estavam errados, porque estamos aqui, firmes e fortes. Eu aprendi tudo de futebol com o meu pai. Cresci do lado dele, acompanhando os jogos nos campos de várzea'', conta. A estratégia é usar a linha-dura: ''Jogador que não respeita o comando, é mandado embora. Eles são acostumados porque meu pai era linha-dura. É melhor dispensar do que ter gente insatisfeita que não vai lutar pela sua camisa''.

O comportamento rende elogios: ''Ela entende bastante de futebol e todos a respeitam por isso. Ela sabe mostrar quem manda'', admite Vitor, zagueiro e capitão do time do Jaçanã. ''Ter mulheres no comando é normal para a gente. Só sentimos diferença mesmo no vestiário. E quando ficamos bravos. Por educação, às vezes temos que maneirar nos palavrões e na agressividade ao reclamar''.

A última história é de Isabel Varotto. Ela é vice-presidente do Santos, do Jardim das Oliveiras, e mulher do presidente e técnico, Nilson Barroso. E o amor dos nasceu na beira do campo. “Nos conhecemos no futebol. Ele sempre jogou pelo time e eu acompanhava os jogos. Começamos a namorar, nos casamos e as coisas não mudaram. Continuamos todo fim de semana nos campos de terra”, diverte-se Isabel.

O trabalho dos dois pelos Santos é grande. O time é uma das entidades que toma conta do campo de futebol do CDC do Jardim das Oliveiras. O local conta com uma escolinha de futebol para garotos da região – inclusive familiares da equipe principal, que acabou eliminada na terceira etapa da Copa Kaiser, superando o desempenho do ano anterior.

“O time principal, que jogou a Kaiser, é todo de amigos, de pessoas do bairro. A escolinha é recente, então nenhum deles passou por lá, mas muitos deles colocaram os filhos para jogar lá. Inclusive, o sobrinho de um dos jogadores está fazendo testes no Santos, levado pela escolinha”, conta Nílson.

 


A várzea em quatro elementos: o jogo, o técnico, o juiz e a torcida
Comentários Comente

UOL Esporte

Muito mais do que esporte, futebol de várzea é sensação. Sons da batida na bola. Batuque da torcida. Reclamação com o juiz. Gritos do técnico. Complete isso com o sol a pino e a poeira no ar e o ambiente está criado. Juntamos alguns vídeos para tentar mostrar isso:

O JOGO: Arquibancada de futebol é sempre igual. Barulhos altos, gritos e muitos xingamentos.

 

O TÉCNICO: antes de jogo decisivo é sempre igual. A preleção tem que ser cascuda, para que o time entre ligado!

 

O ÁRBITRO: para jogo decisivo, todo árbitro sabe que tem de seguir as 17 regras do futebol à risca.

 

A TORCIDA: Em jogo importante, torcedores chegam batucando alto.

 


Copa da Paz: Tiradentes leva 3º lugar mesmo sem reservas
Comentários Comente

UOL Esporte

Na disputa do 3º lugar da 6ª edição da Copa da Paz e Paraisópolis, o Tiradentes/Vila Curuçá entrou em campo com uma dúvida: será que seria possível vender o duelo, mesmo com tantos desfalques? Quando o juiz apitou o início do jogo, o time só tinha um jogador no banco de reservas. O atacante titular faltou, o lateral também, o voltante não apareceu… Mas o time se superou e venceu o Unidos do Lídia por 1 a 0.

 


Time comemora gol, esquece saída de bola e leva empate
Comentários 27

UOL Esporte

 

O lance inusitado aconteceu no final da Copa da Paz de Paraisópolis, um dos torneios mais importantes do futebol amador de São Paulo. O Dragões, do Jardim Educandário, abriu o placar e todos os jogadores foram comemorar com sua torcida, no alambrado. O Vida Loka, da Favela Felicidade, aproveitou o descuido: deu a saída de bola rápido e empatou o jogo. Valeu? O árbitro da partida validou e ainda explicou o motivo.

Para quem quer saber mais, a Copa da Paz é um marco no futebol de várzea de São Paulo. Criada em 2008, serviu para amenizar a imagem de violência que comunidades da Zona Sul, como Paraisópolis e Heliópolis, tinham, inclusive entre os atletas de fim de semana. A história está aqui: Copa da Paz: protesto contra violência vira um dos torneios mais importantes da várzea.

E se quiser saber como foi o jogo completo, esse lance, o gol da vitória do Vida Loka, o climão no único campo de Paraisópolis e a festa do título estão aqui: Com gol inusitado, Vida Loka é campeão da Copa da Paz.