Curiosidades da final: camisa inusitada, numeração bizarra, time de irmãos
UOL Esporte
No domingo, termina a Copa Kaiser. É o principal torneio de futebol amador de São Paulo (e, provavelmente, do país). Para comemorar, separamos 21 curiosidades que resumem bem o que essa decisão representa:
1. O jogo
A grande final está marcada para 13h30, entre Leões da Geolândia, da Vila Medeiros, e Família 100 Valor, do Jardim Panamericano, no estádio do Nacional, na Barra Funda (na Avenida Marquês de São Vicente, 2477).
Antes, será disputada a final da Série B da Kaiser, entre Classe A/Barra Funda e Santa Cruz/Jardim Sinhá, às 11h.
O primeiro impacto de quem assistir à partida, certamente, será o uniforme de um dos times. O Família 100 Valor usa a camisa mais incomum da várzea paulistana (pelo menos entre as que o Papo de Várzea conferiu). Em preto, verde e rosa, com um grande cifrão na frente, a camisa tem a intenção de lembrar uma nota de dólar. Tem a ver com a história da fundação do clube. Há dez anos, os diretores queriam criar um time de futebol, mas bateram na porta de comerciantes e políticos locais. Receberam não de todos. “Ninguém dava valor”, diz o técnico Mussum. Entendeu o nome? E se você quiser saber o que o rosa tem a ver com tudo isso, continue lendo. A explicação não está muito longe…
3. Time de irmãos
O jogo de palavras do 100 Valor você já entendeu. Mas e a parte da família? Quem acompanha o futebol em geral sabe que o rótulo acompanha aqueles times unidos e raçudos, em que um dá carrinho pelo outro. Scolari e a seleção brasileira de 2002 são o melhor exemplo. Por isso, você encontra o conceito em muitos times de várzea. O 100 Valor, no entanto, explora a família em um nível poucas vezes vistos. O lateral Dica, o volante Bia, o meia Du e o atacante Gão são irmãos e destaque do time.
4. Futebol e samba
Os quatro irmãos, que já passaram pelo futebol profissional, aliás, fazem parte de um elenco formado quase em sua totalidade pelo samba. Parece improvável, mas é verdade. O 100 Valor nasceu como um time de futebol, mas ficou mais famoso na região do Jaraguá por suas rodas de samba. Todo domingo, a sede do clube, chamada de Palácio da Várzea, recebe um grande show. Só em 2013, passaram por lá grupos como Turma do pagode e Pixote. Além disso, toda quarta-feira, rola uma roda de samba no local com grupos da região. A diretoria do clube, que estava sempre nos “jogos pelas quebradas”, convidava craques para frequentar as festas. Os jogadores se tornaram amigos e entraram para a família. Quando o 100 Valor resolveu entrar na Copa Kaiser, essa rede de boleiros amigos se transformou no elenco que levaria a equipe à decisão do torneio logo em seu primeiro ano na Série A.
5. Mangueira na área
A ligação com a escola de samba carioca Mangueira vem desta veia sambística do 100 Valor. Além de time de futebol, o clube tem também um bloco de carnaval. Eles já fizeram parte da escola de samba paulistana Camisa Verde e Branco e, no ano passado, fizeram uma parceria com a verde e rosa (daí as cores no uniforme). A Mangueira mandou ritmistas para São Paulo e, com isso, o desfile do 100 Valor contou com duas baterias, exatamente como os cariocas costumam fazer no Rio de Janeiro. E, para quem está curioso, a diretoria do clube já avisou: 20 ritmistas da Mangueira virão do Rio de Janeiro para o esquenta e para a festa após a partida.
6. Éguinha Pocotó (o funk)
E já que o assunto é música, vale comentar uma última ligação. Um dos destaques do time é o meio-campista Jefferson. Mas, se você perguntar, pouca gente o conhece pelo nome. Há alguns anos, ele estava chegando a um jogo e, no som do carro, que estava relativamente alto, tocava o funk Éguinha Pocotó, de MC Serginho (e que tornou famosa a dançarina Lacraia). E como vestiário de futebol é vestiário de futebol, o meia Jefferson logo virou Pocotó. No 100 Valor, ele está jogando como volante. E jogando bem.
7. Numeração bizarra
Do outro lado, o uniforme é mais tradicional. Mas basta olhar a numeração para ver que no Leões da Geolândia, da Vila Medeiros, não fica atrás quando o assunto é novidade para entrar em campo. Em 2013, o Leões completou 13 anos. O que a diretoria resolveu fazer, então? Homenagear o ano e a idade e ainda apostar na superstição – no melhor estilo Zagallo. Como? O goleiro veste o 1313. A dupla de zaga pode ser formada pelos números 134 e 413. A opção, como você deve estar imaginando, não é nem um pouco prática.
Quando o juizão tem de advertir a equipe, sofre. “Toda vez que eu tenho de apresentar um cartão, seja amarelo ou vermelho, tenho de parar para fazer a anotação. E com esses números, ainda preciso pedir pro jogador virar. E o jogador que esta sendo punido já está de saco cheio. Você precisa ser mais enérgico”, diz o árbitro Francisco Carlos Ruffino.
8. Nasceu na Padaria
Outra curiosidade envolve a criação do time. O Leões é da Vila Medeiros, na Zona Norte, bairro que está ficando famoso graças a um restaurante. O Mocotó, do chef Rodrigo Oliveira, que se destaca por dar um toque contemporâneo na cozinha nordestina. Se você já foi até lá, certamente cruzou a Rua Geolândia. Foi lá que amigos Lima, Nilton e Nena tiveram a ideia de formar o time. O nome escolhido foi Leões. “Mas só Leões?”, indagou um deles. Olhando ao redor, procurando uma inspiração, viram o letreiro: “Padaria Geolândia”. Estava batizado…
9. Time de seleção
O Leões foi campeão metropolitano em 2005, em um ano em que a Copa Kaiser não foi disputada. E é famoso, também, pelo histórico de jogadores de seleção brasileira. Durante sua primeira passagem pelo Palmeiras, o atacante Vagner Love disputou jogos pelo time verde da zona norte (mas não da Copa Kaiser). O nome do atacante, aliás, constava no uniforme até o ano passado.
O volante Elias, ex-Corinthians e hoje no Flamengo, tem uma ligação ainda maior. Em 2006, ele tinha acabado de deixar o Náutico e estava sem clube. Deprimido, passou a defender o Leões da Geolândia por insistência da família e de amigos. Deu certo. Ele chamou a atenção do São Bento, então comandado pelo colombiano Freddy Rincón. Três anos depois, estava no Corinthians.
10. Velocidade infernal
Atualmente, o destaque do time é um atacante baiano e rápido. Aos 24 anos, Capetinha veio para São Paulo jogar futebol profissional. Não conseguiu, mas se tornou destaque da várzea. É um dos melhores jogadores da atual edição da Copa Kaiser e um dos responsáveis pela boa campanha do Leões na competição. O time baseia todo o seu estilo de jogo em sua velocidade. Quem viu o jogo contra o Danúbio/Freguesia do Ó, sabe bem disso. No segundo tempo, quando o time vencia por 1 a 0, por exemplo, ele liderou três contra-ataques que só foram parados por falta – no último, o zagueiro rival acabou expulso.
11. Heróis embaixo da trave
Apesar de Capetinha, os grandes destaques do Leões na semifinal foram os dois goleiros. O titular, William, salvou o time em pelo menos quatro lances. No mais importante deles, o artilheiro do torneio, o atacante Baixinho, finalizou dentro da área, com o gol vazio. O goleirão se recuperou no lance e evitou o gol. Mesmo assim, foi substituído no fim do jogo. O reserva Gustavo entrou especialmente para as cobranças de pênaltis. E o segundo goleiro herói do jogo surgiu – mais uma vez contra Baixinho. O artilheiro bateu nas mãos do goleirão.
12. Goleiro machucado
Mas, se um dos finalistas tem dois goleiros, o outro tem só um. E que está jogando no sacrifício. O 100 Valor inscreveu apenas o goleiro Julio Cesar na Copa Kaiser e o jogador se machucou nas oitavas de final. Desde então, joga no sacrifício, já que não tem reserva. A ausência de um outro jogador da posição foi fruto de uma confusão no início do ano. Um nome tinha sido definido e a diretoria não se preocupou em procurar opções. Quando chegou a hora da inscrição, porém, o goleirão desejado já tinha sido inscrito por outra equipe, deixando Julio Cesar sozinho.
13. Preconceito na Rússia
A história mais chocante da final, porém, é do atacante (que está jogando improvisado na lateral-esquerda) Róbson. Veteraníssimo. Ele já foi vice-campeão da Série C e rodou pelo país defendendo vários clubes. Jogou com Muricy no Náutico e Jorginho, o técnico, na Portuguesa. Sua melhor história, porém, é da Rússia. Ele jogou no Anzhi em 2003, antes da compra pelo bilionário Suleyman Kerimov (aquele que contratou Eto’o e Roberto Carlos e, neste ano, se desfez do meia William, ex-Corinthians). Durante as partidas, pela torcida, e até durante os treinos, pelos companheiros, ele foi chamado de macaco. Desistiu e voltou ao Brasil.
14. A várzea e a cervejinha
Agora que os times já foram apresentados, vamos ao torneio. Se você chegou até aqui, sabe que o futebol de várzea não morreu, como muita gente costuma dizer. E ele sobrevive graças à cervejinha. A maior parte das iniciativas do esporte amador envolve a bebida. Depois do jogo, os amigos sempre se reúnem para uma pelada. Os torneios, dos mais amadores aos semiprofissionais, costumam ser organizados pelos donos de bares que ficam às beiras dos campos. Alguns times, principalmente os mais organizados, também pertencem a eles. É o melhor tipo de marketing. Você investe em esporte, traz times para a beira do campo, a torcida vem para acompanhar um grande time e você vende muito. Não é á toa, então, que o principal torneio de várzea da cidade seja patrocinado por uma marca de cerveja.
Várzea é sinônimo de futebol amador. Mas no “nível Kaiser”, o amador fica só no nome. Na base da pirâmide, os atletas jogam por amor ao esporte. Mas na elite, atinge níveis de organização que beiram o profissionalismo. Os times pagam para que jogadores defendam suas cores. E são pagamentos altos. Histórias que circulam nos bastidores dão conta de quitação de apartamentos e compras de carros para garantir atletas.
Os “salários” variam. Alguns times pagam de R$ 200 por jogo para atletas com acordos longos até R$ 600 (ou mais) para as principais estrelas. Nas categorias de base de times de menor expressão, por exemplo, jogadores de mesmo nível ganham R$ 500 mensais.
16. Profissional prefere a várzea
O negócio de receber para jogar futebol amador é tão bom que é fácil encontrar atletas recusam propostas de times profissionais do interior de São Paulo para ficar na várzea. O dinheiro é menor, o jogador não tem vínculo empregatício, mas depois de todos os jogos o envelope com o bicho está lá. É sagrado. “Você não recebe tão bem. Os valores são menores. Mas recebe sempre. Estou há três anos na várzea. E sempre recebi em dia”, conta Luizinho, atacante do Jardim São Carlos.
Os calotes na carreira do centroavante, antes da várzea, eram constantes. No interior de São Paulo ou no exterior. Ele defendeu um time polonês por seis meses. Disputou a primeira divisão local. Sua equipe acabou rebaixada e o prometido pela transferência nunca caiu na conta. “Foi uma experiência boa, de vida. Passei muito frio, conheci outra cultura, aprendi como é viver em outro país. Mas não recebi”, lembra. Voltou para o Brasil Teve propostas para rodar pelo Brasil, mas preferiu ficar no amador. “É claro que não é fácil. Você tem de jogar por mais de um time, cuidar do físico. Alguns times até ajudam se você se machuca, mas nunca é bom estar parado. Mas consigo sobreviver do futebol, mesmo sem ser profissional”, conta.
17. Artilheiros revelados
Desde a primeira edição da Copa Kaiser, em 1995, uma série de jogadores foi revalado no torneio. Atualmente, o mais famoso é Leandro Damião. O atacante do Internacional surgiu nos campos do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo. Quando menino, Damião ia para o campinho com seu irmão, Edimar, e seu pai, seu Natalino Pereira dos Santos. O jogador até tentou participar das categorias de base dos clubes paulistanos, entre eles o São Paulo, mas foi rejeitado. A saída foi jogar no futebol de várzea mesmo, incentivado pelo pai. “Joguei no ‘Tupi City’ e no ‘Estrela da Saúde’. Batíamos de frente com times da zona leste ou da sul muito bem. Tem muitas histórias. Às vezes, jogávamos em favelas, aquela pressão de ter que ganhar e não poder fazer gols porque podia apanhar. Foram várias histórias dessas, mas, graças a Deus, nunca aconteceu coisa pior”, disse o atacante.
Outro destaque é Ricardo Oliveira, a primeira grande revelação da Kaiser. O atacante disputou o torneio de 1999 pelo Estrela Vermelha, da Vila Nivi. Descoberto em um farol, ele brilhou na Portuguesa em 2000, passou por Santos, São Paulo e pelo futebol europeu. Hoje, está no futebol dos Emirados Árabes.
18. Maior do planeta
A Copa Kaiser é, hoje, o mais organizado do futebol amador paulista. Neste ano, teve duas divisões, com 192 times cada, acesso, descenso e seletivas classificatórios. É só fazer um cálculo rápido e você chega a um número expressivo: se todo esse sistema fosse um só torneio, envolveria mais de mil times. O Campeonato de Peladas do Amazonas, o Peladão, considerado o maior torneio amador do país, é disputado por 800 times em categorias diferentes – principal, jovem, masters e feminino, entre outras. Na Copa Kaiser, os mais de 1000 times são da mesma categoria.
19. Última final da Série B
O tamanho da Kaiser, porém, está diminuindo. Em 2013, a Série B será disputada pela última vez. As seletivas marcadas foram canceladas e, em 2014, apenas os 48 times que subiram à Série A na temporada e os 144 remanescentes seguem no torneio.
Nessa última final, o duelo será de peso: dono de uma das torcidas mais vibrantes da zona leste, o Santa Cruz, do jardim Sinhá, tenta evitar que o Classe A, da Barra Funda, se torne o terceiro time campeão da Série A e da Série B da Kaiser – Boa Esperança, de São Mateus, e Danúbio já têm os dois títulos.
20. Mourinho da várzea
Um dos personagens dessa final da Segundona é o técnico do Classe A, Kico Nogueira. Se você procurar bem, verá que até mesmo o português José Mourinho tem um dedo em seu sucesso. Os dois são ligados por uma pessoa: Baltemar Brito, ex-técnico do Grêmio Osasco e que hoje está na Líbia. Ex-jogador profissional, Baltemar trabalhou com José Mourinho por seis temporadas. Foi auxiliar no União Leiria, no Porto e no Chelsea. E ainda acompanhou o português na passagem pela Inter de Milão, no departamento de observação de jogadores.
Com Kico, a ligação é amistosa. “Antes de virar técnico, eu me preparei. Tenho três mentores nessa área, pessoas que fazem parte do mundo do futebol e com quem eu sempre mantenho contato”, diz o treinador. O trio é composto por Baltemar, Robson Santos e Adelsio Reis.
21. Sem Pacaembu
No domingo, a final será no estádio do Nacional. Não é o local que os varzeanos esperavam. No ano passado, o torneio entrou no livro dos recordes ao realizar sua decisão no Pacaembu. A vitória do Ajax, da Vila Rica (um dos times mais populares da várzea em São Paulo), sobre o Turma do Baffô, do Jardim Clímax, foi assistido oficialmente por 21.030 pessoas (o número deve ser maior, já que após os 21 mil primeiros que entraram, a contagem foi interrompida). O número é considerado pelo RankBrasil, espécie de Guiness Book verde-amarelo, o recorde brasileiro de torcida em torneio amador, apesar do Peladão. O torneio de Manaus, em 2009, lotou o estádio Vivaldão, com capacidade para 43 mil pessoas.
Feita essa introdução, desde o início do ano jogadores, cartolas e torcedores sonhavam com uma nova chance de ampliar o recorde. Mas isso não acontecerá. A justificativa para isso é a ausência de datas do estádio para o torneio. Em setembro, o Santos manifestou o desejo de jogar no Pacaembu nas últimas rodadas do campeonato. Com isso, três grandes paulistas estariam atuando por lá e as datas acabaram bloqueadas para o evento amador. Com isso, a organização decidiu adiantar todo o calendário.
O uso do Nacional, porém, deve criar um problema sério: a expectativa de público para o domingo é maior do que a capacidade do estádio. Para a CBF, ela é de 5.000 pessoas. A medida oficial é de 10.117. Em 2010 e 2011, cerca de 15 mil pessoas entraram e mais cinco mil ficaram de fora. Para os organizadores, a sorte foi que os dois times com as menores torcidas entre os semifinalistas chegaram à final…