Papo de Varzea

Categoria : Lendas da Várzea

Lendas da várzea: zagueiro pedala da Zona Leste até a Barra Funda para decisão
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Essa história é daquelas que só acontece em um campo de várzea. E o personagem é folclórico. O zagueiro Dirceu era conhecido na Zona Leste de São Paulo. Daqueles que tinha um vigor físico invejável. Lembra-se do zagueiro Cléber, ex-Palmeiras? Dirceu era um desses.

Em 2002, já perto dos 30, Dirceu era zagueiro do Riachuelo, do Jardim Brasil. O time fez uma das melhores campanhas daquela Copa Kaiser e chegou à decisão, contra o Napoli, da Vila Industrial. A partida foi marcada para o campo do Nacional, da Barra Funda.

E o que Dirceu fez? Chegou ao local da decisão usando um meio de transporte dos mais alternativos. “Quando vi ele chegando de bicicleta, fui perguntar onde ele tinha conseguido. Imagina, são mais de 20 km da Zona Leste até o Nacional. Então fui falar com ele”, lembra o fotógrafo Rodrigo Fernando, que cobriu aquela decisão.  A resposta foi hilária: “Ah, vim pedalando. Para fazer o aquecimento”.

Para quem acha que é mentira, o próprio Rodrigo lembra de outra história para provar o quanto Dirceu era, realmente, um colosso no aspecto físico. “Outro dia, encontrei o Mauro, que era goleiro do Boa Esperança. E perguntei pelo Dirceu. Ele disse que o tinha visto um dia, do ônibus”. O detalhe? Dirceu estava correndo na ciclovia da Radial Leste – ele não disse, mas provavelmente o zagueirão estava a caminho de outra partida…

O Papo de Várzea não conseguiu confirmar a idade e nem mesmo se Dirceu continua em atividade. Descobriu, porém, que o vice-campeão da Copa Kaiser de 1995 (Confiança, de Sapopemba), o campeão de 1996 (Boa Esperança, de São Mateus) e o vice-campeão de 1998 (mais uma vez o Boa Esperança) contavam com defensores chamados Dirceu. Será que era o mesmo? Se você souber do paradeiro do zagueirão, entre em contato. Pelos comentários ou por nosso e-mail papodevarzea@gmail.com.

CONHEÇA OUTRAS LENDAS DA VÁRZEA


Papo de alambrado na várzea salvou carreira de Paulinho, hoje craque do Flamengo
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Em uma semana, o meia-atacante Paulinho passou de um desconhecido do elenco do Flamengo a herói da maior torcida do país. Para isso, precisou de um só gol. Mas esse gol foi em um clássico, valeu a vitória e, ainda por cima, aconteceu contra o Vasco. Porque o rival é importante? Dificilmente você vai encontrar um jogador com a história tão ligada ao clássico carioca quanto ele – mesmo tendo chegado ao Rio de Janeiro apenas em 2013. Paulinho deu seus primeiros chutes no Vasco. Mas não o de São Januário. O cruz-maltino em questão é da Vila Galvão, de Guarulhos.

Além disso, o futebol amador teve outro papel decisivo na vida do craque: em 2008, o então aspirante a jogador viveu a fase mais obscura da carreira. Enquanto defendeu o Flamenguinho, de Guarulhos, recebeu uma proposta do São Paulo. Os responsáveis pela carreira do jogador consideraram o valor baixo e o negócio não saiu. Paulinho se viu preso ao time, sem a sonhada transferência para uma equipe grande, com salário baixo e, o pior, atrasado.

“Era a minha grande chance. Mas o empresário falou para não ir. Em seguida, tudo ficou ruim. Salário atrasava, não tínhamos condições… Eu fiquei muito mal mesmo. Achei que tinha perdido a única chance da minha vida”, relembra, emocionado, o atleta.

A situação era tão ruim que Paulinho resolveu desistir do futebol. Foi a um jogo do Vasco contra o Apache, da Vila Maria. E procurou Genival Elias de Araújo, o Val, vice-presidente e técnico do Vasco da Vila Galvão, que o conhecia desde garoto. “Virei para ele e falei que queria largar tudo. Não dava mais. E eu tinha contas para pagar. Era melhor ter um emprego do que pagar para jogar futebol. Não queria mais”, desabafa o meia-atacante.

“Ele falou isso do alambrado. Me pediu para que eu arranjasse um emprego para ele. Falei que não iria arrumar emprego nenhum. Que ele seria jogador de futebol. Eu não deixaria que ele desperdiçasse esse talento”, fala Val. Foi nesse momento que a amizade dos dois chegou a um nível muito mais pessoal. O técnico do Vasco da várzea passou a ajudar, financeiramente, o pupilo, para que ele não deixasse o futebol.

Paulinho continuou no Flamenguinho até 2010, quando foi para o XV de Piracicaba. Lá, se tornou ídolo e, neste ano, foi contratado pelo Flamengo – agora, o do Rio de Janeiro. Quer conhecer a história inteira? Leia aqui: Herói do Fla no clássico, Paulinho começou no futebol no Vasco (da várzea)

 


Irmão de Marcos Senna homenageia história familiar e defende clube pelo qual pai morreu
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Nos anos 90, Antonio Silva era jogador do Saad, do Jardim Rincão. Quem lembra conta que o veterano tinha um toque de bola refinado, bom posicionamento e sempre que se arriscava nas bolas paradas, levava perigo. Mais ou menos como o filho mais velho, Marcos Senna. Neste ano, a história de seu Antonio está sendo homenageada.

Seu filho mais novo, Márcio Senna (na foto acima, à direita, ao lado do irmão famoso e de outro jogador do Saad), está vestindo a camisa do clube que o pai amava. Amava tanto, aliás, que morreu com ela. Quando tinha 46 anos, o jogador amador teve um colapso cardíaco no meio de uma partida. Ele tinha mal de chagas não diagnosticado e o músculo cardíaco não aguentou o esforço daquela partida.

Os filhos, que sempre o acompanharam nas partidas, não estavam presentes. “Não sei se foi sorte ou azar. Mas eu tinha um campeonato de futebol de salão naquele dia. O Marcos estava no Rio Branco. E foi naquele dia que aconteceu. Foi uma fatalidade. Infelizmente, ele não se cuidava”, lembra Márcio, hoje com 32 anos.

Mas um acidente tão marcante não afastou a família do futebol? “A gente nem pensou nessa possibilidade. O amor ao futebol é maior do que uma fatalidade”.

Nesse ano, surgiu a possibilidade de fazer a homenagem ao pai. Enquanto Marcos segue na ativa – deixou nesta temporada o Villareal, da Espanha, e agora é jogador do Cosmos, de Nova York –, Márcio se aposentou. Ele sofreu uma lesão no joelho séria no ano passado. “Nunca mais fui o mesmo. Não dava mais para ser profissional”.

Na várzea, porém, a história é outra: “Você não treina todo dia. Então, o corpo aguenta. Você não é tão exigido. E quem conseguiu se dar bem no profissional, consegue se virar na várzea. Conhece os atalhos, não é tão exigido, corre menos”.

O Saad, aliás, vai bem na Série B da Copa Kaiser: é líder de seu grupo. Neste fim de semana, venceu por 2 a 0 a Associação São Marcos, de Pirituba.

 


Da Copa Kaiser ao Brasileirão, com parada na Suíça: a história de Matteus, novo volante do Atlético-PR
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Site do Atlético-PR

O sonho de qualquer moleque é jogar futebol em um clube grande. Mas, na maioria das vezes, o caminho para isso é o mais difícil possível. O meio-campista Matteus que o diga.

Na semana passada, foi apresentado como reforço do Atlético-PR. Chegou, finalmente, à primeira divisão do Campeonato Brasileiro. Prêmio para dois anos em que o “diamante da várzea” pastou para conseguir brilhar.

Para quem não conhece, Matteus é cria das escolinhas do Pioneer, da Vila Guacuri. Ele era o grande maestro do time que foi campeão da Copa Kaiser de 2010 – a edição São Paulo e a nacional. Antes disso, tinha ajudado o Água Santa, time que hoje está disputando a Série B do Paulista (o equivalente à quarta divisão estadual), ao bicampeonato invicto da Divisão Especial do Amador de Diadema, um dos torneios mais difíceis do futebol de várzea brasileiro.

Com ele em campo, os azuis da Zona Sul ficaram 93 partidas invictos. Seu impacto era tanto que, no torneio de 2012, o primeiro sem o meio-campista, o Pioneer deixou a Copa Kaiser ainda na segunda etapa.

Foi um ano antes, em 2011, aliás, que começou o calvário do jogador. Após 2010, ele passou a chamar atenção de empresários. No ano seguinte chegou a proposta que mais agradou. No meio daquela Kaiser, ele aprontou o passaporte e foi tentar a sorte na Suíça.

O problema é que saiu da divisa entre São Paulo e Diadema machucado. Uma lesão muscular o incomodou durante os seis meses de avaliação no Zurich, da capital suíça. Não ficou. Ao voltar, a dúvida: será que o futebol profissional era para ele? Após seis meses no frio, tentar mais um pouco no Brasil não era problema.

E as coisas começaram a dar certo – mais ou menos… Disputou o Paulistão de 2012 pela Portuguesa Santista. O time jogou a “Bezinha” de São Paulo e não foi nada bem. Das dez partidas, perdeu sete e empatou as outras três. Matteus foi titular do time em nove partidas. O desempenho individual, porém, valeu e, no fim do ano, ele já estava no Independente, de Limeira.

No time do interior, já deslocado para a função de segundo volante, finalmente chamou a atenção dos grandes. Dos 25 jogos do Independente, foi titular em 16. Acabou o torneio como o quarto artilheiro da equipe, com três gols.

Agora, o desafio é conquistar espaço no Atlético-PR. “Vir para um time grande como Atlético Paranaense é uma oportunidade excelente em minha vida. Cada dia que passa tenho que trabalhar e me dedicar nos treinamentos. Quando a oportunidade aparecer, tenho que estar bem para desenvolver meu trabalho”.

Se depender da torcida do Papo de Várzea, quando a chance aparecer, ele não sai mais do time!


Aos 25 anos, ainda dá para ter sucesso no futebol profissional? Ramires, campeão com Ajax, vai descobrir
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Nos últimos dois anos, um mistério matutava na cabeça do pessoal do Papo de Várzea. Toda vez que passava por um jogo do Ajax, da Vila Rica, um jogador chamava atenção. Ramires tinha, na época, 24 anos e não se encaixava no perfil do varzeano.

Alto e rápido, tinha bom domínio de bola, passes precisos, parecia estar em todos os setores do campo, responsável por fazer o jogo rodar. O que mais altava aos olhos, porém, era seu histórico no futebol. Ou melhor: a falta dele.

Mesmo com um biótipo perfeito (baixinho bom de bola é fácil achar, mas um cara grande, canhoto e que joga o fino da bola é raro…), ele nunca tinha tido uma chance no futebol profissional. Até chegou a fazer parte dos times da base do São Paulo, mas nunca chegou a assinar um contrato. Quem o via em campo logo perguntava: o que esse garoto tem de errado para não estar no futebol profissional?

Em 2013, após Ramires conquistar o título da Copa Kaiser com o Ajax, dirigentes de um time da Segunda Divisão do Campeonato Paulista (que equivale, na verdade, ao quarto nível estadual) resolveram conferir. O pessoal do Taboão da Serra o viu jogando na Copa Kaiser e fez o convite para alguns testes.

Não era a mais convidativa das ofertas. Para quem não sabe, a “Bezinha” tem um limite de idade e cada clube só pode jogar com três atletas com mais de 20 anos. Ramires, aos 25 e sem nenhuma experiência profissional, teria de lutar por uma vaga com ex-profissionais rodados – para se ter uma ideia, um dos companheiros veteranos dele é o goleiro Sérgio, ex-Palmeiras, de 43 anos. Mesmo assim, foi aprovado.

Chegava, então, a hora de decidir se aceitava ou não o convite. Neste momento, você, leitor, pode pensar que era uma decisão fácil. “Vai lá, diz sim e tenta realizar o sonho”. Mas não é bem assim.

Imagine o caso. O garoto tem de sustentar a família. Tem uma oferta de um clube profissional, mas de divisões menores. O salário pode ser razoável, mas sempre existe a chance de atrasos (ou, pior, do calote puro e simples). Na várzea, o salário não é fixo, mas somando os bichos das três, quatro partidas por semana, no fim do mês o dinheiro pode ser razoável. Era o caso do meio-campista, que sobrevivia justamente dos bichos – que ganhava jogando, muitas vezes, por três, quatro times diferentes.

Resolveu tentar. “Eu já tinha desencanado de ser profissional. Mas apareceu a oportunidade e resolvi tentar mais uma vez. Vamos ver se dá certo”.

Se depender da torcida dos amigos, vai sim: “É uma porta que se abriu para ele e a gente só pode torcer para que dê certo. Ele é um meia canhoto, que marca e define bem. Um grande jogador. Se Deus quiser, vai dar certo”, torce o técnico do Ajax, Robson Melo.


Lendas da Várzea: Quando um pitbull entra em campo
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Essa Lendas da Várzea vai ser um pouco diferente. Normalmente, neste espaço o Papo de Várzea deixa o próprio personagem contar a sua história. Dessa vez, nós mesmo vamos contar a história de como um jogador transformou um mascote em símbolo da união entre time e comunidade.

Quem já passou pela Casa Verde para ver uma partida de futebol de várzea sabe que o mascote do Nove de Julho, um dos times mais populares da região, é o Pitbull. Mas sabe como foi que a torcida abraçou o símbolo? Foi graças a um atacante, o Fernando.

Nascido e criado na Casa Verde, ele começou sua carreira de varzeano em um rival do Nove. Era jogador do Mangaba e, ainda hoje, guarda com carinho os duelos contra o time rubro-negro. Com o tempo, sempre se destacando, ele acabou recrutado para o time. Irreverente como só ele, resolveu procurar uma maneira de homenagear o time.

“Logo lembrei das máscaras. Paulo Nunes e o porco, sabe como é. Resolvi procurar uma de pitbull”. Mas como fazer para achar uma máscara de cachorro, ainda mais de um pitbull. Na época, a raça estava em alta, mas pela violência – fazendo com que o cachorrão não fosse dos mais populares. “Fui procurar a máscara. Rodei o bairro inteiro. Só achei na 25 de março”.

Restava, então, esperar o momento para a estreia. No primeiro jogo em que colocou a máscara no calção, marcou. Virou Fernando Pitbull. “O pessoal adorou. Fui até em programas de televisão com a máscara”, lembra. O apelido pegou mesmo alguns anos depois, quando ele marcou o gol do título do Nove de Julho nos Jogos da Cidade.

Passou um período longe do time e voltou neste ano, para se aposentar do gramado. “Já tenho 36 anos. Ainda dava para continuar jogando, mas estou cansado. Resolvi parar e nada melhor do que parar na Copa Kaiser. Mas quase não fui inscrito”, conta. “Falaram que iam me inscrever, mas quando vi a lista, não estava meu nome. Sorte que o pessoal do time ligou e conseguiu me colocar de última hora”.


Lendas da Várzea: No meio de tiroteio na várzea, acabei nocauteado por um retrovisor
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Imagine a cena: você é garoto, está no alambrado, assistindo a um jogo de várzea e, de repente, começa um tiroteio. O que você faz? O jornalista Marcelo S. Costa conta o que aconteceu em um campo da Zona Sul da cidade…

No meio de tiroteio na várzea, acabei nocauteado por um retrovisor

Essa aconteceu há muitos anos. Acho que foi em 1993, mais ou menos. Na região da Pedreira sempre existiram muitos times de várzea. Dragões, Falcão Dourado, Pioneer, Santa Amélia, ABC, Só o Pó, Represa, Unidos da Doze, Jd. Rubilene, Favela, Malhadão, Cordeiros, Pingaiada e por aí vai – sem falar nos que estão extintos, como o Xavantes, o Faísca, o Caxingui, o Itatinga, o Estrela do Santa Terezinha e o Ajax/Pq Dorotéia….

Desde que me conheço por gente acompanho a várzea. Era rotina no domingão ir para a beira do terrão ver amigos e parentes jogando futebol. O campo do Parque Dorotéia, que hoje virou CDC, foi feito em cima de uma antiga represa que aterraram. Era ali que os maiores craques e os melhores times desfilavam seu futebol. Até joguei quando era molequinho, mas gostava mesmo era de assistir. Ver o bicho pegando. O cheiro de erva impregnava o ar.

Os bebuns faziam todos gargalharem com suas atrapalhadas. A malandragem apresentava as suas gírias. A molecada soltava pipa e jogava bolinha de gude. Tinha o Pelézão. Ele gostava de tomar umas biritas e era torcedor fanático dos Dragões. De vez em quando, ajudava como massagista (entenda: era o carregador da bolsa mágica, com éter, gelol e água milagrosa). São personagens comuns. Qualquer outra quebrada tem. Como diz a música dos Racionais MC´s: “periferia é periferia em qualquer lugar”. A várzea é assim também.

Já vi muita coisa acontecer. Graças a Deus, nunca vi morte. Mas ela, às vezes, passava perto por lá. Já vi juiz apitar armado. Quem conheceu os finados Bananinha e Valfredo deve se lembrar… Já vi também o próprio Bananinha jogando pelo Falcão Dourado driblar o time adversário inteiro e parar em cima da linha do gol, sentar em cima da bola e rolar pra rede. Disseram que foi gol de bunda.

Um dia presenciei o time visitante (se bem me lembro, era o Santos de Eldorado) sair correndo de campo quando os revólveres foram apontados pra eles. As chuteiras de cravo escorregavam numa rua, que ficava em uma subida e tinha asfalto recente. Os jogadores pareciam iniciantes em pista de gelo.

Nessa época, os caminhões de caçamba passavam na rua buzinando, cheios de torcedores e jogadores cantando, gritando e xingando. Parece que foi ontem. Os troféus de lata pareciam de ouro, tamanha a devoção com que os ganhadores os erguiam.

Batucada, rojões e tiros… Sim! Ouvi e presenciei tiroteios e brigas feias. Uma vez, era final de torneio no campão, entre Faísca, do Jardim Santa Lúcia, e Dragões, do Parque Dorotéia. De repente, uma briga em campo acabou generalizada, com torcedores entrando na batalha. O campo tinha uma valeta em volta, com esgoto. Era a água da represa, que escapava e borbulhava por ali. Alguns caíram dentro dessa valeta. Outros valentões puxaram as armas, de ambos os lados. Tiros para o alto e correria total.

Nesse dia, eu e mais dois amigos, o Guina (in memorian) e o Bad, nos escondemos atrás de uma caminhoneteF-1000. De repente, os tiros começaram a ficar mais próximos e uma galera vinha correndo em nossa direção. Fui levantar, mas estava debaixo do retrovisor. Bati em cheio a cabeça. Gritei e abaixei de novo, de tanta dor. Disse pros meus amigos: “Me acertou , me acertou!”

Eles já estavam longe, mas olharam com os olhos esbugalhados e voltaram correndo. Me levantaram e fizeram a pergunta: onde acertaram? “Na minha cabeça!” Eram dois moleques no meio de um tireteio. O amigo falou que tinha sido atingido. O que eles pensaram? “Ferrou! Tiro na cabeça, tá morto…” E foram logo procurando sangue. Quando viram o galo na testa, não entenderam nada. Será que a cabeça dele é de ferro? Eu falei: “Não é isso, poxa! Acertei a cabeça no espelho do caminhão”. Eles olharam um para o outro, pra minha cabeça. Acabamos todos caindo na risada.

Depois disso, às vezes o Guina, para me zoar, contava a versão dele do tiro que eu não levei. Os amigos se rachavam de tanto rir quando ele falava que eu caí no chão estrebuchando e gritando “me acertaram”. Claro que a versão dele tinha mais charme. Eu ria junto, nem ligava…

Essa é só uma das várias histórias que vivi na várzea. Hoje sou formado em jornalismo e caminho pelos campos varzeanos cobrindo o futebol amador. Tudo por amor. O terrão está, aos poucos, acabando. Mas mesmo com a grama sintética assumindo seu lugar, ainda tem gente mostrando lampejos de criatividade,  improvisação e emoção. É o velho espírito do futebol de várzea que não morre. Novos tempos, novos modos e novos desafios.

Essa é a história de Marcelo S. Costa, jornalista, que aparece nos  campos de várzea em todos os fins de semanas. As fotos são de seu arquivo pessoal e mostram o campo do Parque Dorotéia antes da reforma (e depois).

Gostou? Quer contar uma história do futebol de várzea? Mande um e-mail para o Papo de Várzea: papodevarzea@gmail.com


Lendas da Várzea: Delegado salva equipe de briga na Zona Norte
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Briga faz parte do imaginário do futebol de várzea. Hoje, elas são mais raras (pelo menos nas competições mais importantes), mas ainda acontecem. Há alguns anos, não era assim. A história agora é contata por um veterano do Nove de Julho, um dos times mais tradicionais da Zona Norte da cidade.

O delegado que salvou o dia

Eu nasci em Minas, mas vim para São Paulo com 11 anos. Quando fiz 15, entrei para o juvenil do Nove de Julho. Era o time mais forte do bairro e era uma honra vestir aquela camisa. Com 16 anos, cheguei ao quadro principal. No primeiro jogo, achei que iria ficar no banco. O camisa 10, o Maquitão, era o titular. Mas ele faltou naquele dia e o técnico me colocou na meia-esquerda. Herdei o número 10 e foi a camisa que usei pelos dez, 15 anos seguintes.

Nesse período, muitas coisas aconteceram. Quebrei o braço, quebrei a perna, mas uma das partidas que mais marcaram aconteceu no Vasco da Vila Guilherme. Naquela, época, a gente ia para o jogo na caçamba do caminhão. Não tinha ônibus, como agora, ninguém tinha carro.

Entramos nos vestiários, nos trocamos e deixamos tudo trancado lá dentro. No meio do jogo, saiu uma briga feia. Foi tão ruim que, quando a gente estava saindo do campo, os jogadores do outro time e os torcedores formaram uma barreira. Falaram que ninguém ia entrar no vestiário.

A discussão foi feia. No final, a gente só conseguiu pegar as roupas graças ao juiz. O Faria estava apitando o jogo. E ele era policial. Chegou gritando: ‘Deixa os garotos passarem. Eles vão pegar a roupa, sim’. A gente saiu correndo, pegou as roupas e foi direto pro caminhão, sem banho nem nada.

Essa é a história de Domício Toledo, o Batatinha, que jogou no Nove de Julho dos anos 60 até os anos 80 (sem contar o período pelos veteranos…).

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Presidente comanda time de várzea por mais de 50 anos
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Quando Ricardo Teixeira deixou a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) você achou que ele já estava há tempo demais no comando? Pois saiba que os 23 anos do cartola são fichinha perto do que seu Américo, do XI Garotos do Piqueri, tem para mostrar. Ele ocupou, oficialmente, o cargo por 53 anos.

Já com a mobilidade prejudicada, andando com muletas, ele vai diariamente à sede do clube, na Marginal do Tietê. Não é mais presidente de fato, mas ainda é o responsável pela maior parte das decisões do clube – que completou, há alguns dias, seu 56º aniversário.

Veja algumas das histórias:

Tomada de poder

O XI Garotos nasceu em 57, nas ruas do Piqueri. Era um grupo de amigos que resolveu montar um time. História comum, uma entre centenas na várzea de São Paulo. A história começou a mudar em 1960. Três anos depois da fundação, seu Américo chegou ao clube. Logo, assumiu a diretoria social. E veio a tomada do poder:

“Era hora de fazer eleição. As diretorias estavam estabelecidas. E alguns amigos me ligaram para montar uma chapa de oposição, para derrubar os antigos. Eu até tentei dizer que não entendia nada de política, mas me convenceram. Já são mais de 50 anos”.

A ideia, porém, era ficar pouco tempo. “O antigo presidente aproveitou que tinha saído para marcar casamento. A cerimônia foi em Águas de Lindóia. Quando ele voltou, a gente estava com tudo. Não deixamos ele voltar”, lembra.

O campo da marginal

Um dos orgulhos do clube é o campo, na Marginal do Tietê, que hoje conta com vestiários, bar, alambrado, cobertura… A estrutura tem pouco mais de três anos. Mas ainda é inferior à de 16 anos atrás. Na época, o campo do XI Garotos ocupava um terreno onde hoje estão prédios do Cingapura, o programa de moradias populares que marcou a gestão Maluf na prefeitura.

“Nosso campo era muito bonito, bem estruturado, mas a prefeitura exigiu o terreno. Mas cedeu esse outro. Era menor, mas prometeram montar a mesma estrutura. Só que ficou na promessa”, diz o veterano.

Por dez anos, o time contava apenas com o campo – que, aliás, era pequeno, mas foi aumentando com o tempo: “A gente derrubava o muro e pegava uns metrinhos a mais, até chegar ao tamanho de hoje”. Os vestiários eram contêineres, cedidos pela prefeitura. “Mas você imagina. Contêiner, de ferro, enferruja. No final, já tinha gente tomando banho sem assoalho”.

A reforma foi feita em 2010, após uma verdadeira batalha jurídica. “Há cinco anos, a Secretaria Municipal de Esportes apresentou um projeto. Iriam investir R% 140 mil na construção dos vestiários, dos banheiros, na reforma dos alambrados. Mas a regional de Pirituba entrou no meio. O projeto estava pronto, mas a regional bateu o pé. Disse que ninguém iria fazer nada. Uma hora depois, chegou a polícia com uma ordem de despejo”.

A solução foi dada por um vereador da região. Ele conseguiu oficializar o local como campo de rodízio e a reforma foi aprovada.

A cobertura de ferro velho

A única coisa que estava faltando era uma cobertura para a área externa do bar e dos vestiários. E a saída veio do ferro-velho.

“Seu Américo veio falar comigo: ‘Ari, precisamos cobrir. Você acha que dá para fazer?’ Eu tenho 30 anos de XI Garotos. Falei que sim. E fomos atrás do material. Tudo veio do ferro-velho. Todo sábado eu aparecia e fazia uma parte do trabalho”, conta Ariovaldo Esgay.

Foram 12 sábados cortando o ferro para a estrutura. Mais três para colocar as telhas. Sempre ao lado de Serjão Rodrigues. O próximo passo é cobrir uma segunda área, onde será construída a churrasqueira. “São poucos os clubes de várzea que tem essa estrutura. É um orgulho dar essa moral para quem jogar”, comemora Serjão.


Conheça Taxinha, que roda 200 km por fim de semana atrás do futebol de várzea
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Quando você ouve que futebol de várzea é paixão, certamente uma figura como o Taxinha vai estar envolvido. Veterano do futebol amador, ele faz questão de acompanhar os amigos onde quer que eles estejam.

Roda a periferia inteira e visita campos em São Paulo e nas cidades vizinhas. A cada fim de semana, chega a percorrer 200 km atrás dos times preferidos. As palavras de Kico Nogueira, do Classe A, não poderiam ser mais verdadeiras: “A gente devia dar um prêmio para ele. Chamar de General da Várzea”.

Confira: