Papo de Varzea

Categoria : Lendas da Várzea

Segunda é dia de futebol de várzea? Para pizzaiolos e feirantes, sim
Comentários COMENTE

UOL Esporte


O que você, leitor, faz entre 10h e 18h de uma segunda-feira? Trabalha? Estuda?

Saiba que, enquanto você começa a semana, um grupo de pessoas está reunido em um campo de várzea na zona leste de São Paulo jogando futebol. E trate de esquecer o preconceito. Esse post trata de trabalhadores quase heroicos, com rotinas duríssimas e horários ingratos.

Os personagens são pizzaiolos e feirantes que, a cada segunda-feira, disputam um torneio de futebol de várzea no campo do Americano, atrás do cemitério da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo. E o motivo da escolha tão incomum do dia das disputas é simples.

Quem trabalha em pizzarias em São Paulo encara uma rotina dura. São seis dias por semana, normalmente entrando às 16h, com fim do expediente só de madrugada. Quem encara as feiras-livres vive uma rotina quase oposta, começando a montar barracas de madrugada e deixando o batente só no fim da tarde. A segunda-feira é o único dia em que esses trabalhadores ganham folga.

Como todo mundo gosta de jogar futebol, era natural que alguém encontrasse um horário no campinho do bairro e reunisse os colegas de trabalho para um racha. “Trabalhando aos sábados e domingos, não tinha como jogar bola. Na segunda, a maioria dos amigos estava de folga e não tinha nada para fazer. Foi aí que um deles descobriu o campo e começamos a fazer alguns rachas”, conta o Jose Roberto Nunes Cardoso, pizzaiolo de 36.

Da pelada entre amigos para a criação de um campeonato, a evolução foi rápida. “Começamos como brincadeira, há dez anos. Eram 20 amigos jogando um rachão. Mas a coisa foi crescendo e o campeonato se organizou. Os times foram aparecendo, mais gente apareceu para jogar. Hoje, já temos 12 times participantes e o número só não é maior porque não temos mais horários”, conta o organizador Francisco Bezerra, o Dodô – que é também o dono do Planeta Futebol Clube, um dos maiores campeões da competição.

As partidas são de 35×35 e começam sempre às 10h. São disputados cinco jogos por dia e os vencedores levam premiação em dinheiro. Esse detalhe começou a atrair os “profissionais” da várzea, aumentando a diversidade de ocupações dos participantes. Mesmo assim, a maioria deles ainda é pizzaiolo ou feirante.

É o caso de José Roberto. Hoje ele é pizzaiolo, mas quando começou a jogar bola às segundas, era feirante. “Eu vim da Bahia com 18 anos. Até tentei fazer teste na Portuguesa, mas acharam que eu era velho demais para ficar na base. Acabei trabalhando na feira, em uma barraca de panelas. Depois disso, os amigos foram convidando e fui trabalhar com cozinha. Fui esfiheiro, forneio. E sou pizzaiolo há oito anos”.


Palestra Itália da várzea: Madrid mudou de nome na época da Segunda Guerra
Comentários 3

UOL Esporte

A história do Palmeiras e a do Cruzeiro você conhece. Nomes iguais, colônia italiana, Segunda Guerra Mundial e uma mudança de nome que nunca foi desfeita. Na várzea de São Paulo, um time dos mais antigos tem uma história parecida para contar. Mas, no caso do Madrid, a tradição foi respeitada.

O time foi fundado no dia 1º de maio de 1937 no bairro da Mooca, em São Paulo, por imigrantes. As cores do time, o vermelho, o amarelo e o roxo, remetem à Espanha. Mas ao contrário do que o nome sugere, porém, não era um clube exclusivamente espanhol – na Mooca dos anos 30, era quase impossível conseguir montar um time sem incluir italianos…

A ligação óbvia com a Espanha e, de tabela, com a Itália, custou caro ao clube. Em 1942, o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial. No mesmo ano, o presidente Getúlio Vargas proibiu nomes ligados a países do Eixo. Tecnicamente, a Espanha era, como o Brasil, uma aliada. Mesmo assim, a diretoria do Madrid resolveu seguir o Palmeiras e trocar de nome.

“Na época, ter um nome estrangeiro era muito negativo. Com a Guerra, nomes como Espanha e Madrid, mesmo estando do mesmo lado, eram vistos com desconfiança. Por isso, a diretoria resolveu mudar o nome. O Madrid virou Tigre Varzeano”, conta Gaetano Carreri Neto, que foi jogador do Madrid desde a década de 40 e hoje é diretor do clube.

A Segunda Guerra terminou 1945. Teoricamente, com o fim dos conflitos terminaria, também, a restrição aos nomes estrangeiros. O Madrid, porém, ficou mais sete anos como Tigre Varzeano. A mudança veio apenas dez anos depois da imposição do governo Vargas.

Hoje, o clube segue em atividade, aos 76 anos. Disputa a Copa Kaiser e chegou às oitavas de final. É um dos 20 melhores time amadores de São Paulo.


Hoje na várzea, jogador deixou o Anzhi, da Rússia, após ser chamado de macaco
Comentários COMENTE

UOL Esporte

Aos 35 anos, Róbson é conhecido na várzea de São Paulo. Meia-atacante rápido e habilidoso, foi semifinalista de duas edições da Copa Kaiser. Hoje, joga no Família 100 Valor, do Jardim Panamericano, uma das surpresas da edição 2013 do torneio- no domingo, ele enfrenta o Pioneer/Vila Guacuri, pela segunda rodada das oitavas de final, às 13h, no estádio do Nacional, na Barra Funda. A alegria que o jogador exibe nos campos de terra de São Paulo, porém, escondem uma história de preconceito vivida na Rússia.

Em 2003, o jogador passou pelo Anzhy  Makhachkala. O time, do Daguestão, uma república separatista da Rússia, ficou famoso nos últimos anos pelos gastos desenfreados do magnata Suleyman Kerimov com jogadores famosos. Entre outros nomes de peso, a equipe contou com os brasileiros Roberto Carlos e William e com o camaronês Eto’o. O primeiro se aposentou dos gramados com a camisa do clube. Os outros dois acabaram de ser vendidos para o Chelsea, após Kerimov anunciar corte de gastos e decidir vender suas estrelas.

Quando Róbson defendeu o clube, porém, a situação era modesta. O Anzhi tinha acabado de ser rebaixado da Premier League para a Primeira Divisão do futebol russo – que, na prática, era a Segundona. Com pouco investimento, apostou em estrangeiros. O elenco já tinha outro brasileiro, William Oliveira, que tinha chegado um ano antes. Mesmo assim, a situação que encontrou na equipe foi das piores: ele foi um dos primeiros negros a vestir a camisa do clube e sentiu o preconceito.

“Não foi uma passagem nada boa. Sempre que eu entrava em campo, os torcedores faziam gestos de macaco nas arquibancadas. Até os companheiros de time me tratavam de maneira diferente. Eu não entendia nada o que eles falavam nos treinos, mas o outro brasileiro do time, o William, entendia. Quando o treino terminava, ele me contava o que tinha sido falado. Eles também me ofendiam. Aguentei a situação por um ano. Não cheguei a reclamar, mas no meio da segunda temporada pedi para rescindir o contrato. Não dava mais”, lembra o meia.

Enfrentando oposição interna e dificuldades de adaptação ao clima, a passagem de Róbson pelo Daguestão foi ruim. Segundo o site oficial do Anzhi (que o chama de Róbson Paolo, não Paulo), ele defendeu o clube em apenas cinco partidas, quatro pela Primeira Divisão e uma pelas oitavas de final da Copa da Rússia. Não marcou gols e somou um cartão amarelo. “Além do preconceito, a dificuldade com o frio foi muito grande. Para você ter ideia, desembarquei em Moscou só com camisa, sem jaqueta, nada. Fiquei esperando morrendo de frio até a bagagem ser liberada”.

Histórias como a de Róbson são frequentes no futebol russo. Quando jogou por lá, Roberto Carlos, apesar do status de estrela que tinha, sofreu na pele a intolerância das arquibancadas: em uma partida contra o Krylia Sovetov, o lateral saia de campo com a bola do jogo e um torcedor atirou uma banana em sua direção. Roberto Carlos, então, atirou a fruta de volta para a arquibancada, jogou a braçadeira de capitão de sua equipe no chão e reclamou com o juiz da partida. “O ato racista, como qualquer outro comportamento agressivo, deve ser erradicado porque não tem lugar na vida cotidiana ou nos estádios”, reclamou Roberto Carlos.

Apesar do fracasso em seu único contrato profissional no exterior, a carreira de Robson dentro do Brasil foi sólida. Antes da Rússia, passou 12 anos no Juventus, entre categorias de base e o profissional. Em 1997, foi vice-campeão da Série C. “Até hoje, é minha principal conquista, por ser no time em que comecei no futebol”. A saída do time da Mooca aconteceu 98, com o fim de seu contrato.

O meia passou, então, a rodar pelo Brasil. Entre 2001 e 2002, jogou no Náutico, quando foi treinado por Muricy Ramalho. Foi bem e chegou à Rússia. Ao voltar da experiência traumática, passou por Avaí e Ceará, times pelo qual disputou duas Copas do Brasil. “Joguei com muita gente importante. O Muricy foi o técnico mais famoso com quem trabalhei, mas também fui treinado pelo José Carlos Serrão e pelo Vagner Benazzi. Entre os jogadores, peguei o fim da carreira do Fabinho, ponta do Corinthians, e do Jorginho (que acaba de ser demitido do cargo de técnico do Náutico). Com o Jorginho, joguei no Santo André, ao lado do Vágner, aquele goleiro do Botafogo, e com o Índio, do Corinthians, campeão mundial”.


Vida de marajá? Veterano da várzea lembra perrengues no mundo árabe, incluindo mulher na coleira
Comentários 11

UOL Esporte

Quando ouve que o craque do time foi para um time do “mundo árabe”, o torcedor logo pensa que o jogador viverá, nos próximos meses, uma verdadeira vida de marajá. Muito dinheiro, mansões gigantescas, carros luxuosos, uma verdadeira vida de rei. A realidade, porém, é muito diferente.

Rodrigo Piu, hoje veterano do futebol de várzea, sabe bem disso. Aos 32 anos, ele tem passagens por Emirados Árabes e Irã. E muita história para contar. A primeira foi logo em sua primeira experiência nas Arabias: “Quando eu cheguei no aeroporto de Dubai, não sabia nada sobre o lugar. Fui dar uma olhada e, no aeroporto mesmo, vi uma mulher com o rosto coberto e uma coleira no pescoço. A guia estava na mão do marido, que devia ser um sheik. Igualzinho a cachorro”, conta.

O choque foi grande. “Se ele podia fazer aquilo com a mulher, imagina o que eles poderiam fazer comigo? Um estrangeiro, que não falava a língua local, não conhecia os costumes. Pensei: ‘Estou perdido’”.

Não foi bem assim. Piu sobreviveu relativamente bem ao período. Tanto que, até hoje, considera o emirado de Dubai o local mais bonito que já visitou – e olha que, enquanto esteve por lá, viajou bastante para “esquecer a tensão”, incluindo passagens por paraísos da Oceania, como a Indonésia. “É de tirar o fôlego. Eles construíram uma praia dentro da cidade. Inacreditável”.

Mas nem tudo são flores. O pior da experiência é o calor. E o código de vestimenta que faz com que você sofra ainda mais com ele. “É muito quente. Durante o dia, você enfrenta 45, 50 graus. Todos os dias. E não pode usar pouca roupa, para refrescar. Bermuda é proibido. Camiseta regata, também. Você tem de estar de camisa com manga e calça durante todo o tempo. Mas você se acostuma”.

No Irã, a experiência também foi difícil. Ele foi contratado para jogar no Shahid Ghandi (que não existe mais), da cidade de Yazd, mas se contundiu no início de seu contrato. Ficou três meses em recuperação em Teerã. “Não conhecia ninguém e não falava a língua. Mas como todo ser humano, eu me adaptei. Em três meses, aprendi a falar farsi quase fluentemente”.

Recuperado, a experiência iraniana ficou positiva. Os brasileiros do time o acolheram e ele fez amizades com profissionais iranianos que trabalhavam no clube. “Todo mundo tem uma imagem muito radical do Irã. Do regime fechado, do fundamentalismo. Mas é bem diferente. É claro que a cultura é muito rígida e eles obedecem regras muito duras. Mas são, também, um povo muito acolhedor. O persa é um povo desconfiado, mas, depois que você conquista a confiança, ganha amigos para a vida inteira”.

Gostou tanto que, até hoje, diz que é o melhor país em que viveu. Além de Irã e Emirados Árabes, Piu também jogou na Itália e no Peru. Hoje, ele está jogando na várzea de São Paulo. É atacante do Pioneer, da Vila Guacuri, que está nas oitavas de final da Copa Kaiser. E joga no próximo domingo (às 13h), no campo do Nacional, na Barra Funda, contra o Família 100 Valor, do Jardim Panamericano.


Time de várzea comemora 96 anos após rodar 32km por São Paulo em busca da sede própria
Comentários 1

UOL Esporte

O Estrela da Saúde nasceu no dia 1º de setembro de 1917 no bairro da Saúde, em São Paulo. No próximo domingo, comemora 96 anos quase 30km distante do local em que nasceu. O clube quase centenário é o melhor exemplo de como o futebol de várzea paulistano foi sendo expulso do centro da cidade e hoje sobrevive nas periferias (fizemos uma matéria específica sobre o tema aqui: Futebol de várzea foge do centro e encontra abrigo na periferia de SP), sem perder a alegria.

A história é longa, tem uma série de reviravoltas, mas pode ser resumida assim: se você pegar um carro, sair da primeira sede, passar pelas outras cinco casas que o clube já teve e fechar o trajeto na sede atual, terá andado 32km pela cidade, indo do centro até o extremo sul da cidade de São Paulo.

 

Jornada quase interminável

A primeira sede do Estrela foi em terreno baldio. Atrás das Indústrias Moinho Santista, os imigrantes italianos que trabalhavam na fábrica se reuniam, após o expediente, para bater bola no descampado vizinho. Os primeiros jogos da turma foram em 1913, mas a fundação de um clube foi adiada até 1917, por causa da I Guerra Mundial.

Pouco depois da fundação, o Estrela encontrou sua primeira sede de verdade, na Rua Carneiro da Cunha. O terreno ficava no mesmo bairro da Saúde, na zona sul de São Paulo, onde ficava a fábrica em que os imigrantes trabalhavam. O local tinha sido cedido pela família Estefano que, 25 anos depois, retomou as terras.

Deram, porém, um novo terreno em troca, na Avenida Jabaquara, ainda na mesma região. A quarta troca de endereço veio rápida. Em dois anos, os Estéfanos mais uma vez pediram as terras de volta. Com isso, mandaram o clube para a Rua Fagundes Filho. Ainda na Saúde, o Estrela, ganhou, então, seu primeiro estádio.

Na quarta sede, ficou por 20 anos, período em que chegou a conquistar uma vaga na elite do futebol de São Paulo. Em 1949, o time se tornou campeão varzeano do estado e conquistou uma vaga na Segunda Divisão do Campeonato Paulista. Dez anos depois, conquistou o título da Segundona. Só não subiu para elite porque não tinha um estádio para 15 mil pessoas, exigência da Federação Paulista para a Primeira Divisão.

Calote na Vila Mariana

Após a conquista da Segunda Divisão, veio um período de incertezas e uma nova mudança, para aquela que seria a quinta casa do clube. Essa sede, porém, não chegou nem mesmo a ser ocupada. E a história por trás dela é daquelas que são estranhas demais para serem inventadas. Em 1961, a diretoria do clube recebeu uma boa proposta pelo terreno. Vendeu. Arrecadou um milhão de cruzeiros com as terras e mais um milhão com materiais de construção reciclados do estádio.

O Estrela, então, comprou outro terreno, na Avenida Vergueiro, no bairro da Vila Mariana. No negócio, estava também, prevista, a construção de um novo estádio. Para ter dinheiro para a obra, a empresa que iria arcar com as obras vendeu títulos de sócios. O problema é que o estádio nunca saiu do papel.

Meses depois, a compra foi anulada e um dos sócios da empresa sumiu com os quatro milhões arrecadados com os títulos. O Estrela recuperou apenas metade do que tinha sido arrecadado e levou mais nove meses para encontrar uma nova sede. Com menos dinheiro, a solução foi procurar longe de casa. Encontraram, então, um terreno na represa de Guarapiranga, ocupado em 1963.

Parceria com São Paulo por dívidas

 

O Estrela está na represa até hoje, mas longe de ser o clube de antigamente. Na década de 90, já com poucos sócios, passou a sofrer com dívidas e teve de fazer uma parceria com o São Paulo para sobreviver. A sede foi dividida e a maior parte, 90 mil metros quadrados, acabou cedida, em comodato, para o São Paulo. Sobraram o campo e a área do estacionamento e do bar. Em troca, o São Paulo pagou os mais de R$ 300 mil em impostos atrasados.

Esses problemas, porém, não impedem que o clube, ainda hoje, tenha um papel importante no futebol paulista. O maior exemplo disso é que os dois jogadores mais famosos que já vestiram sua camisa ainda estão em atividade. O volante Denílson, que passou pelo Arsenal e voltou recentemente ao São Paulo, começou a jogar no campo da Guarapiranga. Seu pai, inclusive, é o responsável, atualmente, pelas categorias de base do clube. Já o atacante Leandro Damião, do Internacional, que já chegou à seleção brasileira, disputou a Copa Kaiser pelo clube.


Após três meses sem andar e uma parada cardíaca, jogador volta a brilhar na várzea
Comentários 2

UOL Esporte

Sabe a frase que “só competir já é uma vitória”? Em poucos casos ela faz mais sentido do que na história do volante Fábio Vieira, o Mentirinha, do Pioneer, da Vila Guacuri. Ele perdeu o movimento nos membros inferiores, passou uma semana na UTI entre a vida e a morte e resistiu a uma parada cardíaca, Voltar a andar já seria um feito e tanto. Mas hoje, dois anos depois de passar um mês internado, ele atua em alto nível no principal torneio de futebol amador de São Paulo.

A história dramática começou em 23 de janeiro de 2011. Então com 30 anos, Fábio percebeu formigamento nos pés. Pouco depois, perdeu completamente a força nas pernas. Foi levado às pressas para o hospital. Quando saiu o diagnóstico, o choque: ele tinha contraído a síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune que causa inflamação no sistema nervoso e tem como sintoma principal a perda de força muscular.

Foram 28 dias internado. Na pior fase da doença, ficou por sete dias em uma UTI. Nesse período, sofreu uma parada cardíaca. “Foi um medo gigante. Quando fui internado, só pensava na minha mulher e no meu filho, que tinha só sete meses”, lembra.

Quando o quadro permitiu que ele ficasse em um quarto comum, ele recebeu uma visita que pautou a recuperação. “Uma pessoa veio de Manaus para conversar. Ele estava recuperado e disse que eu devia me dedicar à fisioterapia, que só com ela eu conseguiria voltar a andar”.

Nessa hora, a experiência como ex-jogador profissional fez a diferença. Fábio começou nas divisões de base do Corinthians, passou pelo São Caetano e virou jogador profissional no Paraná Clube. Encerrou a carreira aos 25 anos, quando defendia o time da Força Sindical, em São Paulo. Nessa época, ficou muito próximo do presidente da entidade, Paulinho da Força, e passou a trabalhar por lá. Virou assessor da secretaria de esportes, função que exerce até hoje.

“A carreira como jogador não deu certo, mas eu sabia do esforço que era necessário. Então, comecei a me dedicar à recuperação. Por um ano, fiz fisioterapia todos os dias. E quando a fisioterapeuta virava as costas para ir embora, eu começava de novo a fazer, por conta própria”.

Ouvindo Fábio contar a história, tudo parece normal. Fácil, até. Mas não foi. Ele precisou de três meses para voltar a andar. Chegou a usar fraldas e sonda. Para se mover, precisava ser empurrado em uma cadeira de rodas. “Nesse período, só o apoio da minha esposa, Tayla, e a alegria do meu filho, Gabriel, me faziam continuar”.

A volta ao futebol amador foi quase natural. Mesmo na UTI, Fábio conversava com os amigos e perguntava placares das partidas. Ouvia, semanalmente, perguntas sobre quando (e nunca se) iria voltar aos campos. A resposta veio menos de um ano depois. E o responsável foi o técnico Vilmar Pereira, o Babão.

Em uma partida de seu time na época, o Água Santa, contra o Casa Grande, Babão resolveu apostar no meio-campista. Era uma decisão de risco. “Fisicamente, ele ainda não estava pronto. Mas eu acompanhei o quanto ele estava se esforçando. O quanto ele queria voltar. Se fosse outra pessoa, talvez nem mesmo tivesse voltado a andar. Mas o Mentira voltou a jogar bola. Ele é um vencedor”, elogia o técnico.

Quando Fábio entrou em campo, os torcedores começaram a gritar seu nome. O desempenho não foi dos melhores. O jogo terminou 0 a 0. Mas foi a maior vitória que ele já conquistou. “Aquele jogo mostrou que era possível voltar. Abracei a fisioterapia com mais força ainda. E hoje estou zerado”.

A prova disso é que o Mentirinha voltou a ser um jogador requisitado na várzea paulistana. Se antes da doença, ele tinha sido bicampeão da Copa Kaiser (Vida Loka/Brasilândia em 2009 e Pioneer/V. Guacuri em 2010), agora ele busca mais um título, novamente pelo Pioneer. E é uma pessoa completamente difrente.

“Jogador, principalmente os de várzea, é egoísta. Quer jogar em Diadema, em Santo André, na Copa Kaiser. Joga três vezes no mesmo dia. Eu era assim. Jogava até quatro vezes no mesmo dia, para ganhar um dinheirinho. Mas isso cobra um preço. Hoje, sei que preciso me cuidar, comer bem, treinar durante a semana. E não posso fazer como fazia antes”.

Quem quiser conferir a recuperação do jogador tem uma grande chance: no próximo domingo, às 13h, ele vai jogar pelo Pioneer contra o Nápoli, da Vila Industrial – o meio-campista está de volta ao time após duas semanas afastado por problemas físicos. O duelo será no estádio Nicolau Alayon, o campo do Nacional, na Barra Funda.

 


Agenda do fim de semana: futebol para todos os gostos
Comentários COMENTE

UOL Esporte

A Copa Kaiser volta neste fim de semana, após a pausa do Dia dos Pais. Mas nem só do torneio mais importante da várzea paulistana vivem os amantes do futebol amador. Tem jogo em todos os cantos da cidade (mas ninguém convidou os amigos do Papo de Várzea para uma festa, como o aniversário do Dha Q Brada, no sábado passado, na Rosas de Ouro).

Confira onde estão os melhores jogos dos próximos dias:

Copa Kaiser e os primeiros classificados

Neste domingo, a Série A da Copa Kaiser terá a segunda rodada da Etapa 5 e os primeiros times classificados para as oitavas de final serão conhecidos. São 20 times lutando por 12 vagas e uma série de jogos que prometem ser emocionantes.

Com jogos sempre às 13h (com uma excessão), as torcidas estão se preparando. O pessoal do Família 100 Valor, uma das surpresas dessa edição da Kaiser, por exemplo, chama a torcida para, às 11h30, começar o esquenta da bateria. Outros times, como o Noroeste e o MEC-Maranhão, já avisam que terão ônibus grátis para a torcida, saindo de suas sedes ou campos duas horas antes do apito inicial. Confira os jogos:

Zona Norte

Leões da Geolândia x Inajar de Souza, no Flamengo da Vila Maria

Jardim Peri – Gesan x Vasco/Vila Galvão, no Benfica da Vila Maria

Zona Sul

Pioneer x Bafômetro, no estádio do Nacional, da Barra Funda, às 11h30

Turma do Baffô x Milianos, no Anhanguera

Zona Leste

Nápoli x Jardim São Carlos, no estádio do Nacional, na Barra Funda

Madrid x MEC-Maranhão, no Flor da Vila Formosa

Coroado x Noroeste, no campo do Americano

1º De Maio/Tatuapé x SDX, no Burgo Paulista

Zona Oeste

Vila Izabel x Família 100 Valor, no Caju

Danúbio x Catumbi, no Agostinho Vieira

Você pode ver o endereço dos campos aqui.

 

Copa Parque Orlando Vilas Boas (com direito a clássico Valencia x Barcelona)

Essa é uma sugestão que chegou pelo e-mail do Papo de Várzea (papodevarzea@gmail.com – se você tiver sugestões, pode mandar!) e, por isso, entra na íntegra:

Em mais uma iniciativa para fortalecer o futebol amador da região oeste de São Paulo, a Liga Lapa de Futebol Amador, junto ao Parque Orlando Villas Boas e equipes participantes fundadas na região, realizam a I Copa Parque Orlando Villas Boas.

São 16 equipe divididas em quatro grupos. Na primeira fase, cada equipe fará três jogos dentro de seu grupo. Os dois melhores se classificam para a fase final (quartas de final, semifinal e final), disputada em em jogo único – com empate levando o jogo para as penalidades. Ao todo, serão 32 jogos, divididos entre as tardes de sábado e as manhãs e tardes de domingo.

A competição começa no próximo domingo (18/08), com equipes de tradição, como Botafogo da Vila Leopoldina, que em 2014 completará 60 anos, e o Valencia EFB, vice-campeão da II Copa Pelezão.

Confira a tabela da 1ª rodada, no domingo (sempre no Parque Orlando Villlas Boas, na Av. Embaixador Macedo Soares, 8.000):

9h – Valencia x Barcelona

10h30 – Nacional x Humaitá

12h – Pantera x Bagaceira

13h30 – Leões da Lapa x Águia de Ouro

 

Super-Copa Vila Izabel 2013

Neste sábado, começa o torneio do Vila Izabel (o mesmo que está jogando a Copa Kaiser). Os jogos são no Ninho da Coruja, o campo da equipe, em Osasco (Av. Eucalipto, 0 – Vila Militar – Osasco). Veja a tabela:

Sábado (17/8)
14h: Bola Branca x Império Negro
15h: Três Corações x Nacadência
16h30: Nove de Julho/Casa Verde x Juventus da Liberdade

Domingo (18/8)
14h30: Clube Atlético Perus x Imigrantes

Copa Palmeirinha B

Mais um torneio em Paraisópolis, agora é a vez da Copa Palmeirinha B. No domingo, será disputada a final, no campo do próprio Palmeirinha. Às 13h30, Paraisópolis e Serrano decidem o terceiro lugar. Às 15h será realizada a grande final, com o duelo entre Reinetes e VKN.

 

Festival de aniversário do R2 Debony

O sábado é de festa na zona sul, com o aniversário de seis anos do R2 Debony, no campo do Anhanguera, com a realização de quatro partidas:

12h30: Veteranos do R2 Debony x Veteranos da Nenê da Vila Matilde

14h30: R2 Debony x Armação/Parque São Lucas

15h30: Anhanguera x Black Power/Ipiranga

16h30: Nova Geração x Piraporinha


Artilheiro do amor: jogador desiste de contrato milionário por não poder namorar
Comentários COMENTE

UOL Esporte

Já resgatamos uma matéria nesta semana. Com o precedente aberto, então, vamos a mais uma: esta é mais nova, desse ano, mas vale a pena rever (principalmente agora que o Carlão começou a ficar famoso: apareceu em matéria na Band!)

A história é engraçada e Carlão segue jogando muito. Na última rodada, foi eleito o melhor do jogo na vitória do 1º de Maio sobre o MEC-Maranhão, pela Copa Kaiser.

Após jejum sexual no Omã, atacante arruma namorada e vira artilheiro na várzea

Para se buscar objetivos profissionais e pessoais, muitas vezes é necessário abrir mão de grandes prazeres. Que o diga o atacante Carlão, destaque do 1º de Maio, do Tatuapé, na Copa Kaiser. De olho em um bom contrato no Al Seeb, de Omã, há dois anos, ele deixou o Villa Rubia, da terceira divisão espanhola, e foi se aventurar no rígido país da Península Arábica. Dentro de campo, o brasileiro fez gols e teve um bom desempenho. Mas o problema era fora das quatro linhas. Por ser estrangeiro, ele teve de viver um forçado jejum sexual de oito meses.

“Era impossível conseguir uma mulher para namorar, por causa da cultura religiosa dos muçulmanos. Se você não é árabe, não pode mexer com as mulheres de lá. Eu fiquei na vontade durante os oito meses que joguei lá. Isso acabou fazendo com que eu fosse embora. Eu gosto é de bola na rede”, disse Carlão. “O bom é que na Árabia, eu ganhei um bom dinheiro. Todos os times são de algum xeque. Eu ganhava premiação se fizesse gol e fiz bastante”, acrescentou ele.

Depois de conseguir fazer um pé de meia, Carlão, que antes havia passado por Itapirense, Oeste, Flamengo de Guarulhos e Taquaritinga, decidiu voltar para o Brasil. Cheio de desejo, reencontrou Priscila, a quem já conhecia há anos. O amor os envolveu, a abstinência sexual chegou ao fim e, pouco depois, nasceu Cauã, filho do casal. Paralelamente, o goleador buscava um time para jogar, pois o dinheiro ganho na Árabia estava indo embora com tantas despesas. Era a hora de tentar a sorte no Vietnã, no An Giang, da cidade de Long Xuyên. Mas, desta vez, com mulher.

“Me levaram para conhecer a estrutura do An Giang. Logo de cara, eu não gostei, porque eles me deram carne de cachorro para comer. E, no restaurante, começaram a passar ratos perto da mesa. Não gostei da cidade, mas fiquei um mês treinando e queriam assinar comigo. Mas não aceitei ficar”, comentou Carlão.

De volta do Vietnã, o veloz atacante acabou indo parar na várzea paulistana. Conhecidos o indicaram para o 1º de Maio, do Tatuapé. Na sua primeira temporada pelo time, em 2012, Carlão marcou três gols em três partidas. Mas a equipe sofreu em uma chave complicada, com os fortes SDX, da Cidade Tiradentes, e Nova Sapopemba, e foi eliminada já na primeira fase.

Neste ano, o time está brilhando. Já está na quinta fase, com grandes chances de classificação para as oitavas de final (afinal, venceu em sua estreia na Etapa 5).

Vivendo um belo momento, Carlão está feliz na várzea. Entretanto, ele espera que a visibilidade que está conquistando na Copa Kaiser possa o ajudar a despertar o interesse de um time profissional. “Eu estou com 27 anos e tenho até experiência internacional. Espero que vejam meu futebol. Vamos ver se aparece uma nova oportunidade”, disse o atleta.

 


Máquina niveladora, irmão marrento, caçula “traíra”: no Dia dos Pais, histórias de uma família de varzeanos
Comentários COMENTE

UOL Esporte

O pai se chama Sérgio Raimundo Rosa. Foi zagueiro. E dos bons. Marcava duro, mas tinha classe no passe. Era preciso, tinha uma visão de jogo privilegiada. Quando precisavam, quebrava galho como volante. Ou melhor. Quebra-galho é para quem faz a função sem qualidade. Seu Sérgio, não. Era um beque dos bons. E como volante, também brilhada.

Quando entrava em campo, era chamado de Máquina Niveladora. Sim, é um apelido estranho. Mas pense um pouco e é fácil entender o motivo. Era só escalá-lo que ele acertava o time. Se a defesa estava capenga, ele equilibrava. Se o meio-campo deixava buracos, ele tapava. Entendeu, agora, a função da máquina?

Um pena, mas ele não chegou ao profissional. Atuou por times amadores da Aclimação, como o Flamengo e o República. Mas passou seu talento no sangue. Teve dois jogadores. Uma verdadeira família varzeana.

Irmão marrento

Luciano é o mais velho. É marrento. O pai era destro. Ele e o irmão são canhotos. Ao ser perguntado sobre a perna esquerda do caçula, é rápido ao responder. “Herdou essa canhotinha de mim. Eu sou o mais velho. Não vou dar moral para moleque, não”.

Tem 34 anos e deixou o futebol profissional no ano passado. Teve uma trajetória sólida, mas nunca teve uma chance de brilhar em um grande clube. Nas divisões de base, passou por Portuguesa e Corinthians. Quando virou profissional, chegou a jogar em Portugal. Mas fez carreira, mesmo, no interior de Minas Gerais. Foi jogador do Esportivo Possense por seis anos.

Em 2012, passou sete meses lesionado. Ainda tentou voltar, defendeu um time de profissionais em amistosos nos EUA, mas desistiu. “A saída era ir para o interior. Tinha propostas. Mas sabe como é. Você chega ao clube, recebe no primeiro mês. No segundo, também. A partir do terceiro, começa a faltar. Desisti”.

Ficou na várzea. Hoje, joga no Bafômetro, um dos times da comunidade de Heliópolis. O local já foi a maior favela da América Latina. Hoje, está em acelerado processo de urbanização e respira futebol, com um time a cada esquina. Luciano gostou da equipe. Uma família, como ele chama. “Não pagamos ninguém. No máximo, tem ajuda no combustível”.

Nem por isso a pressão diminui. A torcida cobra mesmo. Chega no vestiário, reclama da atuação. Mas quando joga bem, aplaude, grita. E quando precisa, ajuda: é só um atleta do time chegar à comunidade e relatar um problema que todos se desdobram para encontrar uma solução. “É a diferença do futebol de várzea para o profissional. A torcida vive mais o time”.

Caçula “traíra”

O caçula se chama Júnior. O traíra, que dá título a esse post, vai irritar o jogador. Mas foi dito pelo próprio irmão: vem de uma partida que jogou contra Luciano pela Copa Kaiser. Ele é lateral do Pioneer, da Vila Guacuri, um dos times mais bem estruturados da várzea de São Paulo. Encarou o Bafômetro, de Luciano, em uma fase anterior. Venceu por 2 a 0. Nos gols e nas pancadas. “Ele me deu dois pontapés. Quando terminou o jogo, quase fui para cima. Ele foi traíra. Bateu por trás”, diverte-se Luciano. “Eu já estou com 34. Ele tem 25. Não vai bater nos mais velhos de novo”.

Em defesa de Júnior, a altura ajudou. Ele é quase dez centímetros mais alto do que Luciano. Bater, então, pode ser uma questão de ponto de vista. Quem o viu em campo, porém, pode se perguntar o que ele faz na várzea. É por opção. E a história é a mesma de muitos craques do terrão: empresário acha jovem talentoso, leva o garoto para o clube e, depois, cobra um valor alto à família para que siga no clube. Ele passou algumas vezes por isso. Jogou no interior de São Paulo. No Mato Grosso. Em Santa Catarina. “Pediam cinco mil aqui. Ali, eram cinco mil. Mais alguns dias e eram mais dois mil para ficar. Não dá”, revela Júnior.

Mesmo assim, chegou a ser profissional. Passou alguns meses no União São João, de Araras. Depois, veio para o São Paulo – onde chegou, como ele mesmo faz questão de ressaltar, sem indicação, na cara e coragem, e só não ficou por não ter empresário. Depois, rodou. No fim do ano passado, estava no Santa Catarina Clube. Voltou para São Paulo e sossegou.

Mas não ficou longe do futebol. “Meu dom é o futebol. Hoje, mesmo no amador, eu estou ganhando a vida. Jogo aos fins de semana. Durante a semana, faço bicos”. Geralmente, ajuda o irmão a entregar tecidos. O importante, porém, é o que ele faz com a bola nos pés.

Duelo no próximo domingo

Por que estamos falando da dupla? É uma pergunta justa. Bom, no próximo fim de semana, às 11h30, a Copa Kaiser marcou uma partida especial para os Rosa. Bafômetro e Pioneer vão se enfrentar no campo do Nacional, na Barra Funda, um dos palcos nobres do futebol amador de São Paulo.

Esse duelo podia estar marcado para este domingo. Seria a desculpa perfeita para um texto como esse. Mas, pense bem. O pai é a máquina niveladora, mas um filho é marrento e o outro, traíra (no bom sentido, que fique claro). Tudo bem, então, que eles se enfrentem sete dias depois do Dia dos Pais. Afinal, isso é várzea. E a várzea é bonita justamente por não tentar ser perfeita.

Copa Kaiser 2013

Copa Kaiser 2013

#uolbr_tagAlbumEmbed(‘tagalbum’,’64773′, ”)


Vendedor de canoli do Juventus começou na várzea há 53 anos
Comentários 4

UOL Esporte

“Vamos adoçar a boca?”

A frase, dita com uma simpatia ímpar, é tradicional em um dos espaços mais tradicionais do futebol paulistano. Antônio Pereira Garcia é o vendedor de canolis mais famoso da capital graças ao local em que trabalha: há 43 anos ele bate ponto no estádio do Juventus, na Rua Javari, para vender as iguarias.

O que poucos sabem, porém, é que seu Antonio é um varzeano nato. Ele chegou ao clube da Móoca aos 20 anos. Nos campos de várzea, ele vende seus doces desde os 10. “eu tinha dez anos quando comecei a trabalhar com doces. E sempre os canolis. Foi uma receita que aprendi com meus pais. E mantenho desde então”, conta.

Então um garoto de dez anos, ele cresceu andando pelos campos de várzea com o tabuleiro de canolis a tiracolo. “Eu sempre morei em Itaquera. Eu pegava o ônibus Carrãozinho-Parque São Jorge de descia na Rua Vilela, próximo ao Parque São Jorge. Passava pelo campo do Corinthians e por uma série de campos de várzea. Começava pela manhã e só parava perto das seis da tarde”.

Seu Antonio andava por campos tradicionais da várzea paulistana. Alguns ainda existem. Outros foram acabando, superados pela especulação imobiliária. “Naquela época, na marginal Tietê, era um campo atrás do outro. Trave com trave. Eu começava atrás do campo do Corinthians e vinha subindo. Tinha o Primavera, o Nova Neuza, o Benfica e o Flamengo, na Vila Maria. Do outro lado tinha o União dos Operários, o Ginástico Paulista. Todos à beira do rio, onde a várzea surgiu. Quando eram cinco, seis da tarde, chegava ao Anhembi, onde tinham mais de 40 campos de várzea”.

Em um dia, ele andava mais de dez quilômetros. Atualmente, ele está sempre nos jogos do Juventus, quando o Moleque Travesso joga na Javari. Além disso, segue rodando pelos campos de várzea, como o Americano, na Vila Formosa, ou o Lagoinha, na Vila Maria. Nos dias de semana, você pode encontrá-lo, todas as tardes em um atacadista na Vila Carrão, onde tem um ponto de venda.

A confecção dos doces é igual há 50 anos. “A receita é da minha mãe. E sempre vendi canolis. Nunca quis mudar. É uma massa a base de farinha, que é frita. E o creme pode ser feito com baunilha ou chocolate”, explica.

Ele também nunca fez outra coisa na vida. “Antigamente, eu vendia no Pacaembu, no Morumbi. Era só comprar o ingresso e vender nos estádios. Hoje, as coisas mudaram. As regras são outras e temos de respeitar. Além disso, a saúde não é a mesma, não dá para ficar subindo e descendo escadas” – no ano passado, seu Antonio ficou alguns meses afastados do campo. Ele teve sérios problemas cardíacos e acabou internado na UTI.

Mesmo assim, voltou a rodas atrás dos torcedores de futebol. A cada jogo do Juventus, cujos torcedores são sua principal clientela, vende 500 unidades do doce napolitano. Nos campos de várzea, a venda é menor, de 150 a 250 canolis por dia. “Minha mulher e minha nora ficam cozinhando o dia anterior inteiro antes dos jogos. Às vezes, eu saio para vender e elas seguem cozinhando, preparando o dia seguinte”.

Com tanto esforço, ele comprou casa, carro e ainda deu um bom futuro aos cinco filhos e 13 netos. “Mamãe e papai ensinaram que todo mundo tem talento para alguma coisa. Alguns são bons médicos, outros, engenheiros. Eu encontrei isso nos canolis”.

CONHEÇA OUTRAS LENDAS DA VÁRZEA